CAMPO & CIDADE

Paranistas e Pés-vermelhos - Saga I

De Olhos Abertos e Pés no Chão de Jorge Caldeira e Gastão Mesquita, livro instigante. Narra a saga da colonização do norte paranaense, mais precisamente de Três Bocas, hoje Londrina, e entorno. “Terra sangue tatú”. Terra boa. Terra roxa. Fértil. Assim divulgava-se a região Brasil afora, e no exterior. O foco: atrair desbravadores. E aventureiros de plantão, porquê, não?!

A surpresa do empreendimento, no entanto: presença de capital inglês. O nome Londrina, portanto, não é mero acaso. E como se deu isso?
Lendo o livro, percebe-se claramente rasgos de ousadia e, sobretudo, de muita coragem desses pioneiros. E por que não, de inteligência. Faro selvagem.

Relatam: “Tudo começou quando Lorde Lovat desembarcou no RJ com todos os predicados de atração de sua figura: família nobre desde os tempos de Guilherme, o Conquistador; viajante do mundo, aventureiro que atravessou a pé meia África; herói de duas guerras; jogador do time de hóquei sobre o gelo do rei, em partidas no Palácio Buckingham; figura proeminente na Câmara dos Lordes; empresário rico e admirado na City Londrina; bem-casado e dono de uma das casas onde se reunia a elite britânica. No Brasil, a sua agenda inicial estava à altura desses predicados: reunião com presidente, da República, e seus ministros, banquetes oficiais e animadas festas sociais. Não faltaram jornalistas para registrar, nem momentos pessoais”.

Trazia na bagagem negócios com algodão. Lucrativos negócios. Estes no Sudão. Sudam Cotton Plantations. Toma conhecimento de plantios promissores no Brasil. Daí a escapada. Visita a Cambará, norte paranaense, fazenda de seu anfitrião major Barbosa Ferraz. O ano, 1924; o mês, janeiro. Fica impressionado com as potencialidades da região.

Lavouras despontavam. Mas havia mais. Gastão de Souza Mesquita filho, engenheiro de 28 anos, delineou o esboço de um plano subjacente: loteamento de terras e prolongamento de ferrovia provinda do estado de São Paulo.

Convicto da oportunidade, Lovat retorna a Inglaterra, reúne investidores e dá partida aos negócios. Isso em 1929. De largada, 515 mil
alqueires de terra são adquiridos, não sem peripécias de ordem legal, superadas por longas negociações. Meta arrojada: transformar a gleba em 40 mil propriedades rurais e 100 mil lotes urbanos, com a formação de 63 municípios e aglomerados urbanos, entre os quais Londrina, Maringá, Arapongas e Umuarama. Nasce, assim, a poderosa Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná.

Lovat percebe o potencial dos pequenos agricultores. Destaca:

- ”Nesse belo país é comum ver os pequenos produtores não apenas plantando sua roça de milho, mas também cultivando cana-de-açúcar, e algodão, além de culturas permanentes como o café para vender. O que falta é capital e organização, e é isso que eu espero que nossa organização possa fazer nas regiões em que atua”.

Uma estiagem avassaladora - o ano de 1925 -, dizimou as lavouras de algodão nas fazendas da companhia. O regime assalariado mostrou-se frágil. Inviável. Parceria, portanto, passou a ser palavra de ordem. Tomava novos rumos a Paraná Plantations.

Porém, como o café rendia mais, os parceiros, largaram as lavouras de algodão. Faltou, com isso, matéria prima nas agroindústrias de
descaroçamento de algodão instaladas, etapa vital do projeto.

Embora o malogro inicial com lavoura de algodão, não desistem. Investem nas glebas, parcelamento de lotes, abertura de estradas, construção de pontes. Ferrovias. Projetos de urbanismo. Escolas, Igrejas. Hospitais. Hidrelétricas. E, sobretudo, linhas de crédito com prazos alongados para aquisição de lotes. Tudo com capital próprio. O atrativo: terras férteis e a ferrovia. Escoamento e transporte garantido.

O imprevisto, entretanto: a instabilidade política. Levantes e sublevações armados surpreendem. Sustam as ações. Caos à vista. Em 1924 agitações políticas, e bombardeios, provocam o deslocamento de 100 mil pessoas da capital paulista. Contava a cidade, então, com 700 mil habitantes.

Percalços maiores viriam. A revolução de Vargas, 1930. A constitucionalista, em 1932. E a II Guerra Mundial. Nessa época a região
era fortemente influenciada pelo Estado de São Paulo. Espécie de cordão umbilical. Os moradores eram conhecidos como pés-vermelhos em contraposição aos paranistas, vinculados à Curitiba.

Gradativamente, dado o trabalho de divulgação em razão de atratividades locais, especialmente a terra fértil e aguadas, aportam
colonizadores vindos de outras regiões do país e do exterior.

Os alemães, em 1932, enviaram o Engenheiro Agrônomo Oswald Nixdorf que, após exaustivos estudos escolheu a localidade a Gleba
Roland, onde ergueram um abrigo com dez comportamentos, de coberto de folhas de palmito para receber os colonos.

A missão contou o apoio do notável topógrafo Alexandre Razgulaeff, profundo conhecedor da região. Grande parte dos lotes haviam sido
demarcados por ele. Estrada de acesso nas cabeceiras, e boas águas nos fundos, as premissas.

Ressalte-se, entretanto: o processo efetivo de integração com os campos gerais e o litoral somente aconteceu na era Vargas através do
interventor Manoel Ribas, mediante a construção da rodovia do Cerne, futura PR 090, iniciada em 1935. Popular rodovia do Mané. Mané Facão, assim ficou conhecido o interventor, dados seus modos nada heterodoxos.
Com rodovia, o Porto de Paranaguá se consolida como uma rota de escoamento de safra. E, destarte, paranistas de Curitiba de pés-
vermelhos do norte começaram a se cruzar.

Por fim, a pérola: “Pé-vermelho é mais do que um comportamento ou cultura. É um estado de espírito: o orgulho de pertencer a uma
coletividade que se expandiu e consolidou em função do trabalho com quase nenhum apoio dos governos estadual e federal”.

Leitura agradável. De valor inestimável. Beber água da fonte, bom demais.

Nos atemos a breves pinceladas, até o capitulo XVVIII – Negócio com futuro. Vem mais. Etapa subsequente desse ousado empreendimento.

Joinville, 23 de outubro de 2025

Onévio Zabot
Engenheiro Agrônomo

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