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CAMPO & CIDADE

Franklin Cascaes

Vida e Cultura Açoriana em Santa Catarina, de Raimundo C. Caruso. Distante 1997. Dez entrevistas com o bruxo Franklin Cascaes. Eis um personagem instigante. Açoriano da gema, digno de aplausos.

Janeiro de 1748, aportam em terras catarinenses as primeiras levas imigrantes de Açores. Sim, arquipélago marinho. Nove ilhas: São Miguel, Terceira, Graciosa, Santa Maria, Pico, São Jorge, Flores, Corvo e Faial.

Ah, Açor - pequeno gavião do mar -, acabou emprestando o nome ao arquipélago. A descoberto, 1427, pelos navegadores portugueses.
Oceano Atlântico.

Entreposto. Aduana marinha. Povoá-lo, importante, pois no que tangia à logística e suprimento aos navegadores, providencial. A distância, porém, nada modesta: 1.500Km das costas lusitanas.

Causas da emigração: superpopulação no arquipélago: cerca de 150 mil habitantes. A verdade, ora saber. Salta aos olhos, porém: novas terras, ocupa-las ou perde-las. Uti possidetis. Assim era.

Entre 1748 e 1756, seis mil açorianos desembarcam em Desterro e redondezas. E deste contingente, 1.200 dirigiram-se para o sul. Fundam
Porto dos Casais, hoje Porto Alegre. Fato marcante, pois a Desterro de então, segundo consta, limita-se a pouco mais 200 habitantes.

O Rei de Portugal buscando ocupar as terras do sul, a faixa litorânea, fizera um chamado para homens com até quarenta anos e mulheres com até 35 e filhos: se aceitassem migrar para o Brasil meridional recebiam enxada, machado, foice, farinha. Uma égua. Uma vaca. E sementes. E assim tudo começou. Os terrenos eram enormes. Vastos mesmo. A propriedades da família Cascaes, por exemplo, tinha hum quilômetro de frente por 4 de fundos. Daí as casas, bastante afastadas.

Franklin Cascaes num dado momento percebeu que a rica cultura açoriana estava erodindo. Ou seja, estava entregue à própria sorte. E, com isso, a memória dos colonizadores, gradativamente, desvanecia-se. Ousa.

Arranja uma Kombi e, às próprias custas, contando com a ajuda de sua esposa Elizabete Pavan, percorre o litoral catarinense. Ouve. Escreve. Desenha. Destaca: “Comecei a estudar por saudades de um tempo que estava terminando. Às vezes arranjava uma canoa emprestada e viajava sozinho. Sempre ouvi histórias muito fabulosas, do trabalho e da vida: a feijoada da bruxa não gasta nada. O artista é um malandro. Passei a vida inteira anotando e escutando as pessoas”.

Anfíbios, assim reportava-se aos açorianos. Parte da jornada no mar – na pesca e caça às baleias, e nas armações; e, parte em terra cultivando cana-de-açúcar, batata, milho, aipim, abóbora, arroz e feijão, principalmente. E à criação de gado, suínos e aves. Alimento não faltava.

Os homens no mar, na pesca. A família nos engenhos de farinha de mandioca e alambiques. Estábulo e residência conjugados. E as mulheres nas lides domésticas e lavouras de subsistência. “As galinhas eram criadas com as “caroeiras”, raspas de mandioca guardadas em boticas”. Eram praticamente auto suficientes. Constata, no entanto, Cascaes: “Antes não tinha comprador, e hoje não há peixe”. “ Os produtores vendiam em saco e os comerciantes em litro”.

O drama, a saúde. “Existia muita moléstia: malária, muita febre, a maleita, as sezões”. Cascaes reconhece: faltava higiene. A criançada sofria muito. A sorte: as benzedeiras, os curandeiros e as parteiras. As únicas culpadas, as bruxas. Assim rolava a vida.

A Igreja mandava em tudo. “O casamento era assim: as meninas tinham 12 anos e o cara quarenta. E a rotina implacável : as quatro da
manhã estava todo mundo acordado. Faziam óleo de peixe e teciam suas roupas.

Uma curiosidade: eles jantavam ao meio dia e ceavam à noite. Isso porque as quatros horas da manhã, já tinha café. E, às 9 horas, café
reforçado.

Ladrão não havia, pois, se pegavam, o chicote comia. E o camboim cantava vizinhança afora. E, criançada deste muito, pegava junto. Nada de moleza.

O lado místico, praticamente todos os males atribuídos às bruxas. “O caboclo inventava para engrandecer a natureza. Nada mete mais medo do que a folha de bananeira à noite”.

E lado folclórico. ”Eu ouvi muitas histórias, também de mentirosos. Encontrou uma abóbora enorme, partiu com o facão, fez uma porta,
entrou e se abrigou lá dentro”.

Tudo mudou, contudo. “A bruxa foi conquistada pela madame Medicina. E a televisão embrutece, seca o homem, brutaliza”. E emenda: “ A bruxa atacava o intestino das crianças, fazia adoecer; agora, a televisão, ataca o espírito, a inteligência”. E, agora, heim, o que diria Cascaes do celular.

Por fim uma constatação: “O pescador nunca vive bem. Eles são pessoas mais ou menos alegres na presença dos outros, mas em casa na
vida doméstica, na vida comum deles, eles são pessoas triste, muito sofredoras”.

Interessante, o respeito sempre lembrado pelas mães: “Passava um preto velho, a gente tomava benção. E também chamava ele de tio”.

Uma lição de sabedoria: “ O homem tem que olhar sempre pra riba, olhando pra baixo ele está perdido”.

Ah, neste vasto universo cultural sobressaiam as danças típicas, e o folclore, riquíssimo, a exemplo do Boi de Mamão. E na literatura,
bastante representativa, haja vista o próprio Franklin Cascaes, polivalente, pois suas gravuras são amplamente reconhecidas. E os eventos religiosos, como não os citar. O Natal e a Páscoa - momentos marcantes nas comunidades açorianas. Terno de reis, longos preparativos.

Arte e cozinha. Cozinha e arte. Amizades.

Ler a entrevista com Franklin Cascaes – ricamente ilustrada com gravuras tipicamente açorianas -, um primor. Visitar a Fundação Cascaes que abriga grande parte de seu acervo, é tomar água na fonte. Na bica.

Quantas lições de sabedoria! Recomendamos.

Joinville 30 de dezembro de 2024

Onévio Antonio Zabot
Engenheiro Agrônomo

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