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CAMPO & CIDADE

Essa do arroz

Depois de certo tempo deparo-me novamente com o meu amigo Franklin. Ou melhor, trombamos no Boteco do Matias Insulina, margens
do Parati.

Ah, quanto tempo Franklin! Por ande andavas? Intempestivo, emenda:

- No Mato Grosso. Mato Grosso de verdade, aquele do Norte. Do sertão. Sim, e fazendo o quê?

Encara-me à meia fresta. Olhar nada camarada.

– Caçando onça, ora! Eu, heim, saltei de banda. Vai que tenha por aí algum fiscal do IBAMA.

- Franklin, vou falar a verdade, essa tua língua comprida ainda vai te entregar. E até explicares que focinho de porco não é tomada podes dar com os burros n’água.

- A língua é minha, faço dela o que bem entender. Entendido. Cinismo à vista. Perspicaz Franklin, sempre às turras com o mundo.

Franklin é assim, desde que o conheço, vou dando corda.

- É, vai nessa, insisto! Por muito menos meu amigo Joca, perdeu a maloca e acabou no xilindró. Gargalhada das boas. Reencontro fraterno.
Amizade não tem preço nem endereço. E tem dessas, por mais aguda que seja a cartada, prevalece a prosa. Papo de amigos, sem meias palavras, evidentemente.

Fanfarrices à parte, Franklin vai direto ao assunto.

- E essa de importar arroz em plena safra, o que dizes? Farofada das boas, não! Como Franklin em priscas eras plantou arroz, conhece o ramo, portanto. Astuto que é, provoca, guarda a resposta, porém, na ponta da língua.

Sabe muito bem da velha máxima comum entre os arrozeiros.

“Plantam e não sabem se colhem, colhem e não sabem se vendem, e vendem e não sabe se recebem”.

Tento sair pela tangente. Importação de arroz em plena safra, como assim? Percebe minha evasiva e tasca:

- Eu que ando no centro-oeste sei das coisas e você faz de conta que não. E se não sabe, já viu isso antes. E, avinagrado, emenda:

- Lembra do Sarney. Deram de caçar boi nas invernadas. E deu no que deu, muito fuziê por nada. Só inflação comendo - de 86% ao mês. Mercado é mercado mexeu errado, o pau ronca no povoado. Poucos voando por cima, e muitos de chinelo furado.

- Eita Franklin, voltaste mesmo inspirado. Além de filósofo de roça, agora com ares de poeta e pitadas de economista.

Ouso maneirar. Contemporizar. Essa de importar é coisa de economista. Devem ter feito as contas. X mais Y – menos Z - noves fora. Pois, agora! Vã é a tentativa de dissuadi-lo. Feito disco travado, volta à carga.

- Conta de economista, coisa nenhuma! Conta de padeiro, de quem não tem o que fazer. Não tiram a bunda dos gabinetes esses fraldinhas, e se acham. Cambada de jumento. Eles que vão plantar arroz pra ver com quantos paus se faz uma canoa.

Embora um pouco ressabiado, em parte, concordo contigo Franklin.

Ufa! até que, enfim, vocifera entredentes.

- É Franklin, como repetia meu amigo Geovah: “No céu há muito mais do que apenas aviões de carreira”. Armazéns abarrotados e o governo importando arroz, estranho, não!

E por empresa suspeita. Caralho. E pasmem! com preço salgado. Lá encima, nas nuvens. Põe trapalhada nisso, irmão! 

E, quanto ao plantio da próxima safra, como vai ficar ânimo dos produtores. Essa é a pergunta que não quer se calar. Franklin embarca na vazada:

- Na lona, claro.

- Baita incentivo, não!

Meu amigo Franklin, tens razão: “De boas intenções o inferno anda cheio”.

Por fim - cá entre nós Franklin -, essa de caçar onça procede?! Estrila os dentes. Emenda convicto:

- Troquei de ofício. Vou caçar essa cambada que importa arroz. Bem mais apropriado. 

Eu, heim, ressabiado, deitei o cabelo.


Joinville, junho de 2024

Onévio Zabot
Engenheiro Agrônomo

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