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ARTIGO

Um periquito entre comadres e papagaios

  • - Em frente a Drogaria e Farmácia Catarinense, já usando gravata, guarda-pó branco engomado.e o Palmeiras no coração. Foto: início de 1955/Arquivo do autor.

Ary Silveira de Souza

Em 1954, eu havia deixado a Impressora Ipiranga onde era aprendiz de tipógrafo para trabalhar na Drogaria e Farmácia Catarinense a convite do diretor, farmacêutico Alberto Bornschein (in memoriam). Como um simples aprendiz de tipógrafo com 18 anos poderia ser lembrado pelo diretor da Drogaria e Farmácia Catarinense a ponto de ser convidado para trabalhar na sua empresa ? O que um periquito, comadres e papagaios teriam a ver com história ?

Naquela época, durante as noites eu ajudava meu cunhado Arnoldo Dettmer, que para melhorar sua renda trabalhava como operador de cinema com sessões nos salões dos bairros, distrito de Pirabeiraba e municípios de Araquari e Garuva. A empresa, denominada Cine Glória, pertencia aos Srs. Alberto Bornschein e Nicodemus. Um dia, depois de encerrada a sessão o Sr. Alberto Bornschein apareceu e me ofereceu carona na volta para a casa.

Logo depois de sentar ao seu lado no moderno e confortável automóvel Studebaker, perguntou onde eu trabalhava. Respondi que trabalhava na Impressora Ipiranga. De pronto me fez o convite para trabalhar na Drogaria e Farmácia Catarinense. Declinei e agradeci. Havia completado 18 anos e passado a receber um Salário Mínimo inteiro. Um mês depois mudei de ideia e o procurei, então aconteceu a minha admissão.

Cansado de inalar cheiro de chumbo dos tipos (letras) que manuseava todos os dias o dia inteiro e encantado a possibilidade de brindar meu olfato com o agradável e saudável cheiro de farmácia, ali estava eu.

Meu sonho era trabalhar no balcão para inalar o cheiro de farmácia o dia inteiro. Como tinha por hábito não perguntar a espécie de trabalho, nem mesmo o salário que iria receber, ao apresentar-me, depois de ser recebido pelo diretor que mantinha seu escritório no prédio antigo, entre a Casa Alfredo Boehm e o novo prédio da farmácia, na rua 9 de março, fui encaminhado ao trabalho.

Fui integrado e uma equipe com atuação no setor de atacado. O trabalho consistia em preparar pedidos de outras farmácias, principalmente para filiais da empresa. Quando os pedidos escasseavam, prestava serviço no deslocamento de medicamentos para o estoque.

Glecir, goleiro do Caxias Futebol Clube e Nelson Einsenhut, o primeiro mão santa brasileiro, foram meus companheiros de trabalho, entre outros. Quando Oscar Schmidt, que viria a ser conhecido como o mão santa do basquete brasileiro nasceu na capital potiguar, em fevereiro de 1958, Nelson, mais conhecido por Mima, já aparecia com o cognome de mão santa nas manchetes de jornais.

Filho de Walter Einsenhut, professor de dança de salão e neto de Jacob Einsenhut, homenageado com a denominação de uma rua no bairro Atiradores, nosso mão santa foi o primeiro a marcar pontos na inauguração do Palácio dos Esportes, atual Ginásio Abel Schultz, construído pela SAJ - Sociedade Amigos de Joinville - e inaugurado em 1951, nas comemorações do Centenário de Joinville.

Enquanto não se realizada meu sonho; usar gravata, vestir guarda-pó branco engomado e inalar o cheiro de farmácia exalado por produtos como cânfora, éter, álcool e outros , manipulados no receituário, continuava subindo e descendo escadas com duas grandes cestas de vime, uma em cada braço, carregando produtos para atender as filiais.

O estoque de medicamentos ficava no pavimento superior do prédio da farmácia, em dezenas de prateleiras, identificadas pelos nomes dos laboratórios. Produtos como algodão, gaze e peças de vidro como copos graduados, pipetas e outros usados em receituários e laboratórios, incluindo comadres e papagaios utilizados para colher urina de pessoas acamadas, ficavam depositados em mezanino com acesso através de uma pequena escada de madeira.

As peças de vidro chegavam dos fornecedores em caixas de madeira envoltas em folhas de jornais. Ao serem retiradas das caixas permaneciam protegidas pelo o papel.

Certo dia, ao recolher produtos para atender pedido de uma filial que incluía comadres e papagaios, chamou-me à atenção a capa do jornal A Gazeta Esportiva que envolvia uma das peças. Na capa do jornal, edição de 1951, a figura de um periquito, então mascote oficial da Sociedade Esportiva Palmeiras e o texto em letras garrafais anunciava a conquista da Copa Rio de 1951, a primeira competição futebolística interclubes com abrangência mundial.

Depois da leitura do jornal o Palmeiras conquistou meu coração. Lá se vão 66 anos desde o dia que encontrei o periquito entre comadres e papagaios.

Quase esqueço de dizer que a promoção para trabalhar no balcão usando gravata e guarda-pó branco engomado foi concretizado logo depois que passei a torcer pelo Palmeiras.


Ary Silveira de Souza
Editor do JI Online
Jornalista, radialista e escritor


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