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CAMPO & CIDADE

Cuidar uns dos outros - Onévio Zabot

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Eis um livro instigante: Cuidar Uns dos Outros - Um Novo Contrato Social (Editoria Intrínseca, 2021). Autora: Minouche Shafik, doutora em economia. Embora jovem, experiência não lhe falta.
Nascida no Egito, ainda na infância emigrou para os Estados Unidos, e depois para o Reino Unido. Aos 36 anos tornou-se a mulher mais jovem a ocupar a vice-presidência do Banco Mundial. Complementa a brilhante trajetória as atribuições: secretária permanente do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, vice-diretora do Fundo Monetário Internacional, e vice-presidente do Banco da Inglaterra. É diretoria da London School of Economics and Political Science.

Impressiona na obra a clareza das considerações em relação ao momento que humanidade atravessa. Atém-se à tópicos-chave:

1) O que é contrato social; 2) filhos; Educação; 3) Saúde; 4) trabalho;5) velhice; 6) Gerações; 7) Um novo contrato social.
Discorre com propriedade sobre a evolução e os desafios atuais de cada tema citado. E o faz isenta de ideologias. Pondera sobre o antes, o agora e o devir; e qual o ponto de equilíbrio do ponto de vista social, econômico, ambiental e cultural.
Destaca: "Ao longo dos anos, muitas das ideias que moldaram o pensamento a respeito dos contratos sociais em todo o mundo surgiram na Escola de Economia e Ciência Política de Londres (LSE, sigla em inglês) onde é diretora".

O Relatório Beveridge da escola (1942), teve ampla repercussão ao propor o Estado do Bem Estar Social como espectro de amplo alcance nos campos da saúde, renda mínima, seguro desemprego, aposentadorias e pensões.
Na obra: O Caminho da Servidão (1994) o economista Hayek da mesma escola alertava, no entanto: o modelo levaria a sociedade ao totalitarismo. A reação resultou na formação da Escola de Chicago, de cunho liberal, tendo como expoente Milton Friedmann. Hayek passa a integrá-la. Margareth Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (EEUU) seguem essa orientação enquanto governantes.
Esse aparente antagonismo é questionado por Anthony Giddens, diretor também da LSE (1997-2003). Expressa sua teoria na obra: Terceira Via (1988) que alcança ampla repercussão.

Destaca Shafik: "Essa visão foi adotada por políticos sociais-democratas em todo o mundo, incluindo Bill Clinton, nos EEUU; Tony Blair, no Reino Unido; Lula da Silva, no Brasil; Gerhard Schroeder, na Alemanha; Thabo Mbeki na África do Sul; e muitos outros". O colapso econômico de 2008, no entanto, operou contrapeso, espécie de pá de cal, põe à deriva o modelo. Fato inconteste: no campo político, líderes centristas, gradativamente, foram sendo substituídos por líderes populistas. Promessas mirabolantes.
Diante deste cenário pouco animador, Shafik, pondera: "Estamos precisando de um novo paradigma".  Mudanças tecnológicas e demográficas profundas têm desafiado as estruturas antigas. A crise climática, a pandemia mundial e suas consequências econômicas inevitáveis revelaram até que ponto o atual contrato social não está funcionando".
Ilustra essa mudança, explicitando: "Quando criança eu visitava a aldeia de minha mãe no Egito e via as meninas iguais a mim, mas que não podiam ir à escola, trabalhavam duro nos campos e tinham pouco poder de decisão em relação com quem se casariam e quantos filhos teriam.  Parecia tão aleatório e injusto que tivesse oportunidades que elas não tinham, eu poderia muito bem ter sido uma delas; e elas, eu. Essas oportunidades mudaram de forma radical quando a maioria das terras de propriedade de minha família foi nacionalizada pelo Estado Egípcio na década de 1960, e logo depois emigramos para os Estados Unidos, onde meu pai estudara".

Certamente, não é o foco nesta análise adentrar pormenores, detalhes. Mesmo assim, cabem algumas considerações, haja vista que, no momento, em todo o mundo fervilham iniciativas, muitas das quais de cunho populista. Se populares, outra é a dimensão: direitos e deveres a norteá-las. "A cada direito, um dever; a cada benefício, uma obrigação", palavras Rudolph Juliani, então prefeito de Nova York.

Como diz meu amigo Franklin com sua contumaz irreverência: "Todas as coisas já foram ditas, mas como ninguém presta atenção, devem ser repetidas novamente". Outro pensador afirmava: "A história não se repete, senão como farsa".
Neste caso, quais os termos que devem nortear esse novo contrato social?
Resume Shafik:" Todas as sociedades optam por deixar que algumas coisas sejam designadas pelos indivíduos e outras pela coletividade. As normas e as regras que estabelecem como essas instituições coletivas operam é que chamarei de contrato social".

E notória a insatisfação das pessoas com o atual contrato social, segundo Shafik. Questiona por outro lado: "O quanto a sociedade deve um a indivíduo e, em troca, quais os deveres de um indivíduo". Ou por outra: obrigações mútuas. Eis, sem dúvida, o nó górdio da questão

E adianta:" Gosto de pensar nas obrigações mútuas como círculos concêntricos. Em essência, a maioria de nós sente mais obrigação em relação à família e aos amigos mais próximos. No anel seguinte está a comunidade à qual pertencemos. Grupos de voluntários, associações religiosas. No próximo anel está o Estado-nação qual temos obrigações com os deveres da cidadania: pagar impostos, obedeceras a leis, votar,
participar da vida pública. O círculo final é o mundo onde as obrigações podem ser mais fracas, mas se tornam mais evidentes em momentos de crise humanitária ou com um desafio global como a mudança climática, quando a solidariedade internacional se torna importante".

Naquilo que chama de arquitetura de oportunidades reporta-se a vários modelos testados e adotados que variam segundo fatores de natureza educacional, a chave- mestra para a verdadeira mudança de paradigma.
Atender as necessidades dos cidadãos do berço ao túmulo, um senhor desafio. Vencer os cinco gigantes como afirmou Willian Beveridge: 1) a doença; 2) a ignorância, 3) a miséria; 4) a imundície; e 5) a desocupação".
Resumindo: o novo contrato social, segundo a autora há que assentar-se em três pilares: 1) seguridade social para todos; depende do que o país pode custear; 2) Investimento máximo em capacitação, incluindo trabalhadores deslocados pela tecnologia e os migrantes; 3) compartilhamento de riscos justos e eficientes.
Em relação ao meio ambiente alerta: o mundo todo investe apenas de 91 bilhões de dólares ao ano em políticas públicas no setor, mas aplica entre 4 a 6 bilhões em subsídios para atividades notoriamente insustentáveis.
Repetindo: há que se estar atento em relação aos três vieses do capital: 1) humano (capacitação e qualidade de vida); 2) produzido (bens materiais e serviços); 3) natural (sustentabilidade ambiental).
E, conclui com a afirmação de Arthur Lewis, Nobel de economia: "A cura fundamental para a pobreza não é dinheiro, mas conhecimento".

Certamente, uma obra de leitura obrigatória, pois, isenta de paixões, alicerça-se em observações, fatos e experiências diversas, algumas bem sucedidas, outras nem tanto. Assim caminha a humanidade. Segurança e qualidade de vida, utopia ou realidade. Erigi-las - atingir o pedestal -, um senhor desafio. Mas nada é impossível, já atravessamos momentos piores.

O melhor de tudo: inteligência e boa vontade nunca faltaram e nunca faltarão. Acertar: o desejo de todos. Alvíssaras! Feliz Ano Novo! 

Joinville, 29 de dezembro de 2021






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