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CAMPO & CIDADE

Encantos da Costa de Corais - Onévio Zabot

  • Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e E -

Dia desses, sei lá porque, assentamos praça em águas de Alagoas. Sim, Alagoas dos corais, das jangadas, do peixe-boi marinho, dos caminhos de Moises, das piscinas naturais, dos canaviais... e também terra de dona Ilda mais José Libório, abrigados num rancho de taipa, canto do bode. Rústica morada outrora; agora - sinal de novos tempos -, portal turístico.  Varas encoivaradas. Massapê.   Simpáticos e afáveis, esbanjavam carisma.  Dona Ilda, olhar vivaz, não escondia o tamanho da encrenca para permanecer ali: cantinho de céu, sol e mar. Lances de ousadia.  Casal-coragem. Queriam removê-los à força: Despejá-los. Coisa de gente malvada. Bateram o pé, no entanto. Atribuem a vitória a Nossa Senhora, a São Miguel dos Milagres e a Santo Antônio - protetor dos abnegados.
Recanto do bode, porque recanto do bode, indago mais do que curioso?  Libório entorna o verbo: - Um certo senhor de escravos das redondezas, maltratava-os. Jornadas exaustivas. Depois de morto, virou bode. E vira-e-mexe, incomoda. Aparece quando menos esperam. Em geral à noite.  Olho de fogo. Cheiro de enxofre. Cruz credo...!

Alagoas tem um pouco de tudo. Ali, soçobra ao largo, o mar... verde mares bravios de Alencar. É verde o mar até aonde a vista alcança. E deu Iracema em povoa-lo com peixes coloridos: azuis e amarelo-ouro, barbatanas douradas. E polvos.  E os corais, espigados, afloram na crista dos rochedos. Croas, informam. Longa cadeia - hoje Rota dos Coriais -, estende-se de norte a sul, extensos e vibrantes, intensa vida selvagem. Mais de 160 quilômetros empilhados no mar. E, variando, até centenas de metros de largura.  Santuário ecológico, expressão viva da exuberante vida marinha. Mais de trezentas espécies identificadas.  Peixes e crustáceos.  E na orla continental - que exuberância (!) -, despontam os coqueirais. Majestosos coqueirais. Verde-oliva, colar da esperança.

Damos avidamente de percorrer a região, não sem antes adentar em Maceió, terra do Menestrel Teotônio Vilela.  Depois, fundeados em Maragogi - Pousada Camurim Grande -, alçamos jornada ao sul:  Porto de Pedras e São Miguel dos Milagres, e que belas praias(!): Patacho, São Bento e Japaratinga.  Rumando ao norte, mais praias: Burgalhau, Barra Grande, Antunes, Xaréu, Ponta de Mangue e Peroba. Todas pinceladas ao verde; encantadoras - remansos e sobressalentes corais.    
Sargaços cobriam a areia... evocavam os recifes ao largo, desprendendo-se às pencas. Às cestadas. Depois vim saber prestam-se para adubar os coqueirais que abundam no trecho. Os coqueirais, como não os abraçar aos embalos do bem querer. Onda verde. À margem, manguezais - berçário da natureza. Mangues brancos, mangues vermelhos. Setas aladas.  

Camurim Grande, pousada de rolinhas caldo-de-feijão, de rolinhas fogo-apagou, informa Manoel, cortês atendente. E arrulhavam fagueiras essas aves. Ah, e os saguis e as iguanas e os coelhos e os porquinhos da índia... emprestavam charme ao oásis bordejado de cabanas e bangalôs.
Camurim Grande, um poema a céu aberto. Conforta a alma apreciá-la, palavras de Marcia. Esculturas de Helena Montenegro - joinvilense de coração -, porém nordestina da gema, distribuem-se harmoniosamente nos gramados e arvoredos. E quadros, pinturas de dona Kiti, e outros mais de Helena, sobressaem.  Encantam.  E que pôr-do-sol, então!  E que nascer do astro divino, amigo dos mares e das florestas. E dos coqueirais em festa.  

De todas as atratividades da Rota dos Corais, ressalte-se, entretanto: o peixe-boi marinho roubou a cena. Ousa camuflar-se nas águas turvas do rio Tatuamunha (rio dos tatús). Vez por outra emergem daqui e dacolá. Breves respiros. Ventas aguçadas. E logo submergem, não sem antes deixar um quê de nostalgia e de audácia no ar. Cercadinho providencial, Carla, a guia turística destaca: - São filhotes que desgarrados das mães, tratamos de amanhá-los neste local até que estejam em condições de voltar ao ambiente marinho. Um deles, Joana, exibe-se várias vezes. Outro toma água doce, bica adrede preparada.

Interessante, chove praticamente todos os dias por ali. Em geral à noite, mas também de madrugada, e de manhã por vezes. Na pousada hospedam-se turistas diversos, prevalecendo oriundos das regiões sudeste, centro-oeste e sul, pondera Marcelo, dedicado anfitrião.

Os atendentes, sotaque arrastado, esbanjam simpatia. E Marcelo, boa prosa, esbanja carisma. Investir no turismo, acolher os visitantes, orgulho da família, faz questão de ressaltar. E cá entre nós: põe ambiente aconchegante ali. Música ao vivo, música de qualidade. Bom demais.

Outra passagem, no entanto, marcou-nos sobremaneira. Num dos passeios de barco nas piscinas naturais, num dos trechos Tiago, condutor da embarcação, ergue os braços, aponta:
- Vejam ali, vejam papai pescando. Gesto ao largo... uma rústica jangada ancorada, e o velho pescador aos mergulhos.  Ao aproximar-se, Tiago não se contem e exclama:
- Benção, Papai. E o velho pescador, coma voz firme, mesmo dentro d'água responde:
- Deus te abençoe, meu filho!  

Soberano, Tiago com ares de comandante, singra as águas verdejadas. Mostra-se feliz com a nova função. Antes era pescador, passava dias e dias no mar, correndo risco de vida. Tudo mudou, no entanto, com o turismo, pois a atividades permite conviver com a família diariamente, informa. Além do que troca informações, conhece gente de outros rincões. O turismo tem disso: calor humano. Cortesia.

Na volta rumo ao aeroporto de Maceió o guia turístico vai informando sobre peculiaridades regionais. Por ali canaviais a perder de vista. Muita cana. Percebe-se também muita pobreza nos esparsos povoados. Casario insalubre. Chagas expostas. E cães abandonados. Marcia não gosta disso. Bate o pé, defensora inveterada que é dos animais.

Definitivamente a monocultura assombra. Ou é cana ou é gado ou é eucalipto, este em fase de expansão. Propriedades enormes. Latifúndios. Sinto falta do modelo familiar tão presente no sul do país. As pessoas, em geral cortadores de cana-de-açúcar ou moram nas periferias urbanas ou nos engenhos. Por ali, manda-chuva ditam as regras do jogo. Regras nada lisonjeiras, informa o guia.
Não fosse o turismo e, certamente, o cenário seria ainda pior. Mas cá entre nós, falta saneamento básico, percebe-se a olhos vistos. Isso mesmo em Maceió, onde um pequeno riacho, praticamente no centro, apresenta-se depauperado. Morto.

Mesmo as zonas costeiras, embora o rigor da legislação ambiental, carecem de urbanização. Ruelas improvisadas, abundam. Enquanto isso os buguy - mais de duzentos somente em Maragogi -, lotados, movimentam-se em acessos precários.  Boa parte improvisados, mas ninguém liga pra isso. A beleza e a profusão da paisagem terrestre e marinha atrai e encanta. Seduz.
Contemplando a cena, vem-me à mente as sabias palavras de Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente. Certa feita interrogada sobre o que achava de Florianópolis, capital catarinense, saiu-se com essa pérola: - "Aqui a parte de Deus está ótima, linda demais, a dos homens, porém, uma lástima".  

Por fim, um atrativo irresistível:  a boa cachaça alagoana.  Caçuipe. Ouro ou prata, boa demais!  Cachaça do Collor, informa Sorriso, garção de faro apurado e fino humor. Esteve por ali, o ex-presidente. E, embora simpático, cumprimentado os presentes, mostrava-se esquivo, escafedia-se nos momentos de ruche.

Ressalvas à parte, fica o registro: - As praias e o mar alagoano são de encher os olhos. Os coqueirais então, obra prima da natureza. A rica cozinha nordestina e o artesanato, põe criatividade e bom gosto! E muita hospitalidade.  E de lambuja ler o livro: 50 Anos de Vaquejada de Neto Negromonte - campeão dos campeões -, sinceramente lágrimas afloraram. Olhos marejados.
E o melhor de tudo, o verdadeiro tesouro de Alagoas:  pessoas maravilhosas, afáveis e prestativas e, sobretudo, altaneiras. Alvissaras! Recomendamos.

                                                                                                   Joinville, 02 de abril 2022


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