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CAMPO & CIDADE

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  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

MARTELO DO PUNDEK - Onévio Zabot

2005, Joinville, mais uma capacitação sobre solos. Solos agrícolas. Mestre Murilo Pundek e Itamar Gislon coordenam. Trincheiras cavadas a capricho. Sim, para estudar o solo abrem-se trincheiras. Horizontes A, B e C, grosso modo. O mais superficial, horizonte A; em transição, o B; e a rocha mãe, C. No caso, os instrutores antes demarcaram o sítio: Pirabeiraba: gleissolo; Garuva, cambissolo; Araquari, espodossolo e São João do Itaperiú, argiloso, amostra representativa da região. Aulas prática, a campo, extremamente agradáveis. O professor Murilo Pundek fazia questão de mostrar o velho martelo, aquele de orelha numa ponta e petardo na outra. Com ele fendia as paredes da trincheira. Escavava. Percorrera o Estado todo fazendo isso. Fazia questão de dizer, brincando obviamente: quando me for que este martelo fique comigo.

Mestre Murilo marcou gerações. Gerações de jovens engenheiros agrônomos, seja como coordenador de agricultura na ACARESC - depois Epagri -, ou como professor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina. Com mestrado em solos pela URFGS, não apenas esbanjava conhecimento, mas sobretudo simplicidade, atributo dos sábios. 

Estudar os solos é algo fascinante. Insere-se nele a geologia, e mais do que isso, a pedologia e a edafologia. Ou seja, o intemperismo sobrepondo-se ao tempo. A natureza, sabemos, opera em ciclos. Do Big Bang aos dias atuais "n" ciclos ocorreram. E, entre esses, destaca-se o ciclo da formação do horizonte fértil, das terras agricultáveis. Quando se pensa nisso despontam os vales. Vales dos grandes rios, especialmente do rio Nilo. Na sua foz desenvolveu-se uma das mais prósperas civilizações da história. Grandes conglomerados humanos, necessariamente, associam-se às águas, às inundações. Já dizia o pensador grego: "Navegar é preciso, viver não é preciso".

Naqueles tempos conhecer o solo, sua formação, uma necessidade primária. Não foram poucas as capacitações. Na região temos um mosaico de solos. Área de contrafortes com a Serra do Mar, quaternária, por isso mesmo rica e diversificada. Voltaire, então supervisor da ACARESC cercara-se de mestres do porte de Alcides Molinari. Eram comuns as atualizações. Certa ocasião em Barra Velha, terra das areias quartzosas, mais uma capacitação. Afrânio, técnico local esbraveja:

- Tô cansado disso. Cansado ele, pra mim, no entanto, era novidade. Os solos orgânicos impressionavam. Profundidades de matéria depositada ao longo de milhares de anos: folharada, ramos e troncos em decomposição. Se drenados bruscamente afundavam e, diante de qualquer faísca pegavam fogo. Literalmente a "terra queimava". 

Quando estudante de agronomia em Santa Maria, duas excursões marcaram-me profundamente: uma rumo ao sul, fronteira, Santana do Livramento, e outra a Bom Jesus, pico de Serra, ao norte. Percorrê-las, cavar trincheira, um retrato do Rio Grande, oásis da boa terra. E uma terceira rumo Passo Fundo, está relacionada com a conservação do solo. Como evitar sua destruição em face de cultivos sucessivos. Terraceamento e plantio direito. 

Mais tarde, em Bela Vista do Toldo, na comunidade do rio da Areia de Cima, mais um desafio. Como reservar o solo em franca erosão? Terraços, cultivo na palhada e, sobretudo, utiliza-lo de acordo com a aptidão. O mesmo fato verifica-se em Massaranduba nas regiões altas: adubação verde e cultivo mínimo. 

Mas para isso, antes de tudo, há que se conhecê-lo, atestar as propriedades físicas, químicas e biológicas. E neste aspecto, Murilo Pundek marcou gerações. Legou a Alcides Molinari a Itamar Gislon sua maestria. 

Um fato é certo: quem não cuida do solo está condenado à pobreza e a depauperação. Jared Diamond, na obra Colapso, prova isso. Todos os povos que se descuidaram do solo, desapareceram. O caso mais grave, a Ilha de Páscoa. Outros souberam protege-los, mantendo-os produtivos, casos da Nova Guiné - terras altas -, e do Japão. E de Tikopia, ilha isolada no oceano Pacífico. 

Quanto às lições do mestre Murilo, como esquecê-las? Nos iluminam para sempre. Mestre é mestre, não apenas ensina, mas sobretudo nos faz compreender valores e boas práticas. E Murilo sabia como ninguém, pois antes de tudo era um companheiro de jornada. Que Deus o tenha - martelo à mão -, cavando trincheiras no céu. 

Joinville, 21 de novembro de 2020




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