logo RCN
CAMPO & CIDADE

CAMPO & CIDADE

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

A DANÇA DAS ÁGUAS - Onévio Zabot

Em face dos incêndios no pantanal mato-grossense, a presença de solos orgânicos despertou a atenção de todos. Estopa inflamável, quando ocorre estiagem; o fogo, uma vez presente, propaga-se vorazmente não apenas na superfície, mas também no subsolo. Fumaça a céu aberto enovelando-se, a sinalização. Galerias ardendo em chamas. O material de origem orgânica depositado nas várzeas se, ressequido, diante de qualquer faísca entra em combustão; porém, se hidratado, decompõem-se de forma lenta - forma húmus -, tesouro dos pântanos. Reservas de carvão: a turfa, o linhito, a hulha e o antracito formam-se dessa maneira. E até o petróleo, essencialmente fóssil.

Lidamos com solos orgânicos - os organossolos - no litoral catarinense. Notória presença. O processo de formação ocorre nas zonas ribeirinhas, ambiente sujeito a constantes inundações. Dança das águas. Resíduos de origem vegetal, de animais e de microrganismos, uma vez depositados, decompõem-se, e, ato contínuo, entram em processo de mineralização. Processo este acelerado quando há intervenção antrópica, especialmente a drenagem.

Quanto se trata de terras agricultáveis a retirada da água há que se dar de forma controlada, favorecendo assim a mineralização do solo. Se abrupta, torna-se problemática. Acama-se o solo. Afunda. Caso típico da CEASA de Porto Alegre, erguida num pântano. Pavilhões ao alto, acessos rebaixados. Cena pitoresca.


Neste contexto - ressalte-se -, houve um trabalho intenso por parte do Departamento Nacional de Saneamento (DNOS). O 5° Distrito sediado em Joinville, atuou a partir da década de 1960, comandado pelo topografo Nilson Rocha. Dezenas de obras de macrodrenagem foram projetadas e concretizadas, inclusive no planalto norte. E também de engenharia hidráulica, caso da barragem de Guaramirim, um marco na engenharia de irrigação. E também no rio Cubatão: barragem e canal de derivação para contenção de cheias.

O DNOS, constituído no governo Vargas (1936), para operar no litoral fluminense, mais tarde foi transformado em autarquia, governo João Goulart (1962), e no governo Collor (1989), extinto. Em Santa Catarina em razão das cheias de 1957, projetou as barragens de Oeste/Taió, Sul/Ituporanga, e Norte/José Boiteux. E no sul catarinense, a barragem São Bento, década de 1990.Com a extinção houve um vácuo. A dispersão do acervo e da memória histórica. A sede própria, localizada na avenida Beira-Rio, ao lado do Arquivo Histórico de Joinville, foi entregue às traças.

Como extensionista rural, numa das primeiras reuniões de comunidade nos debatemos com a questão da macrodrenagem, um dos casos rumorosos na famosa curva do arroz, que, hoje, abriga o futuro Campus da UFSC. Reunião tensa, pois os agricultores ressentiam-se das constantes inundações no trecho.Em Joinville, o Sindicato dos trabalhadores rurais operava como âncora avançada. Nelson Holz, então presidente, providenciou dezenas de abaixo-assinados. E os resultados não tardaram a aparecer: extensas áreas agricultáveis viabilizadas em todo o município, com destaque para a Vila Nova, hoje um polo arrozeiro de expressão. E Pirabeiraba/Garuva - rio Cavalinho, entre outras tantas.

As obras de dragagens abarcavam as etapas: 1) macrodrenagem, intervenção nos mananciais, em geral alargamento e retificação; 2) Meso e microdrenagem em nível de vizinhança e de propriedades rurais. Trabalho paciente, de formiguinha, mas crucial para o aproveitamento agropecuário.Mais tarde o Programa Provárzeas consolidou o processo de sistematização dos tabuleiros.Polêmicas à parte - haja vista a presença do componente ambiental - caso das retificações - as obras de macrodrenagem legaram um ciclo de prosperidade. Celeiros fartos.

Ressalte-se: extinção do DNOS foi uma medida intempestiva. Não apenas o órgão deixou de operar, mas sobretudo capital humano de inestimável valor, constituído à duras pena, soçobrou. Perda irreparável.Como diz o adágio popular:" Jogaram a criança fora junto com a água do banho". Saneá-lo, sim; extingui-lo, uma aberração nunca reparada, embora a Lei das Águas de 1997, em parte, busque suprir esta lacuna.Destaca Edmund Burke: "Um povo que não conhece a sua história, está condenado a repeti-la". E, segundo Hegel, como farsa.A natureza - bem sabemos -, opera em ciclos. Conhecê-los e interpretá-los, eis um desafio e tanto. E, este horizonte - sejamos realistas -, apenas o descortinamos, apalpando-o às cegas. 

Joinville, 01 de janeiro de 2021

CINE CAFÉ Anterior

CINE CAFÉ

CALIGRAFIA DE MARINA Próximo

CALIGRAFIA DE MARINA

Deixe seu comentário