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CALIGRAFIA DE MARINA

CALIGRAFIA DE MARINA

  • - Marina Martins é formada em letras português, inglês e literaturas e atua como professora de línguas no Instituto Federal Catarinense, em São Francisco do Sul. Sua incursão em uma escrita sistemática iniciou-se junto com as transformações da pandemia: criou o blog de crônicas vaguidaoespecífica.blogspot.com.br. Afinal, a literatura não poderia ser melhor maneira de transformar o real.

Passa a régua - Marina Martins

31 de dezembro. Sim, esse ano, como todos os outros chegou ao fim. Chegou depois de ter feito a gente sambar miudinho, depois de ter gerado os mais diversos sentimentos em seus 9 meses. Afinal, os três primeiros meses, tão normais que foram, nem contam como 2020, o ano em que escolas passaram fechadas, em que ficamos restritos a nossas casas, em que passamos a ter medo do contato humano. Viramos reféns de uma força da natureza que não poupa ninguém e que nos fez nos posicionarmos: o quão a sério levamos ela? Cuidamos de nós e cuidamos dos outros? O quanto de tempo aguentamos continuar nos cuidando? Por mais absurda que pareça a comparação, me veio à mente as provas de resistência do certo programa de confinamento, só que, ao invés de ganharmos um milhão no final, ganhamos o fato de estar vivos e não termos contagiado ninguém.

E agora que o ano se encerra, as sensações e expectativas vêm misturadas. De repente nossas superstições de roupas de cor específica, de pular 7 ondas, guardar as sementes da romã ou da uva, já não parecem fazer muito sentido. Ao invés delas celebramos o fato de estarmos saudáveis, de podermos estar com nossas famílias. Sentimos esperança de que vai passar, de que a vacina vai chegar, segura, disponível a todos, e, junto com ela, abraços, reuniões com amigos e famílias, salas de aula borbulhando de conhecimento e de alunos. De que teremos uma página virada.


Porque é isso que novos começos nos permitem. Eles permitem a possibilidade de pensar "Agora vai dar certo", "Temos uma nova chance", "Estamos prontos para tentar". Por isso ciclos são tão importantes. Desde cada manhã que descortina um novo dia, até ciclos maiores dentro da nossa vida ou até mesmo grandes ciclos da humanidade. Não é o branco que temos por hábito vestir no ano novo que vai nos trazer paz. Mas é a nossa busca, a nossa esperança. Vestimos nossa alma de fé, fortalecemos nossa certeza de que nós seremos melhores e de que as possibilidades que temos são grandes. Se fazemos promessas elas são um pacto para nós mesmos. São algo que estamos dizendo estar dispostos a fazer porque achamos que isso irá contribuir para nossa felicidade.

Acredito que tenha sido isso também que 2020 deixou de legado. Não apenas a dor da morte, das restrições, do medo, mas essa possibilidade de nos percebermos mais, de olharmos para nossas vidas, para as pessoas com quem convivemos e de refletirmos. Tanto tempo isolados gerou um mergulho em nós mesmos, nem sempre sem dor, é fato, mas com certeza gerando algo, mexendo em alguma coisa. Se temos por hábito só valorizar o que perdemos e não necessariamente o que temos, nesse tempo de tantas perdas, quantas pequenas coisas passarão a ganhar novo status? Certamente o próximo abraço num amigo ou familiar que você der vai ter um gosto muito especial. E até suas intenções de novo ano provavelmente serão influenciadas pelo ano que passou. Porque ninguém conseguiu atravessá-lo incólume. Mas, se podemos reduzi-lo, no melhor português, a um ano de bosta, que ao menos ele sirva de fertilizante para as sementes do ano que vem. E veremos o que ele irá produzir. 

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