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CAMPO & CIDADE

Tricotear de Dona Edite

Há pessoas e pessoas nesse mundo de Deus. Iluminadas, no entanto, um senhor desafio. Dona Edite sempre foi assim: sol. E mais do que luz nela sempre fluíram lampejos, efusividades de quem doa-se ao próximo, despretensiosamente amiga. Instrutora, eterna mestre da arte das agulhas: bodado, tricô, crochê e tudo o que diz respeito a paciência de fiar. Foi assim no SESI, e na Fundação 25 de Julho. E, pasmem! contínua a mesma, embora os anos: fia a olho nu. Nada de óculos. Olhos azuis marinhos dos mares de Barra Velha, terra natal. Simpática, simpatia em pessoa. Com Timóteo, companheiro das Minas Gerais, ambos conservam os traços da juventude. Ali, os anos nunca chegaram, ao contrário, afugentaram-se ressabiados. Cernes de aroeira, percebe-se claramente.

Enquanto rememora os bons tempos, Timóteo lembra que ajudou a construir Brasília, candango por lá; claro antes de adentrar às terras principescas do litoral norte catarinense. E Barra do Sul, o xodó. Mineiro de pouca fala, mas sempre mineiro. E como bom mineiro, perspicaz. Sabe das coisas Timóteo.

Que visita inesperada. Reencontramos Timóteo no centro de Balneário Barra do Sul. Não fosse Eduardo, e não o reconheceria. Bike espigada. Pedaladas treiteiras. Afinal, ninguém é de ferro, menos ainda quando octogenário. Esconde os anos Timóteo, percebe-se: perfil atlético, olhar aguçado de ave marinha. Eduardo, pergunta:

- E dona Edite?

- Está em casa, responde. E emenda:

- Usa bombinha. Bato-pronto esclarece: só quando falta ar.

Deduzimos, eita cigarrinho maldito. Timóteo, prepare o café, pois bateremos por lá. Deem um tempinho amigos. Preciso pedalar. E não deu outra. Morada nova. Rua das Palmeiras. Barra do Sul é isso: mar e gente alegre, gente feliz e colhedora. Achegando-se: que Abraço amigo! Quanta saudade!

Disfarça dona edite, mas não conseguia esconder, fiava uma peça, mais uma peça, uma obra-prima. Alinhamento perfeito. Intico:

- Muito melhor agora, heim! Mas como dona edite nunca levou desforra pra casa.

- Que é isso? Sempre dei o melhor de mim. E precisava dizer dona edite. Brincando, claro!

Timóteo, fiel escudeiro, pede um tempo e, ato contínuo, retorna. Apresenta uma blusa. Sacode com orgulho:

- Uso há trinta anos.

Dona Edite, verdade seja dita, faz parte de uma geração de ouro. Abnegadas artesãs: fiavam e costuravam, e mais que isso, compartilhavam técnica e arte. Conhecimento e habilidades, e, sobretudo, atitude. E que artesanato...! saltava aos olhos o acabamento.

Bons tempos aqueles da Fundação 25 de Julho, Joinville, década de 1970. Uma plêiade de instrutoras dedicava-se a instruir no meio rural joinvilense. Dona Irma Schiochet, Coralina Krelling, Maria Terezinha, Marilde Tomasini, Odete Longarette e tantas outras. Geniais monitoras. E mais que isso: animadoras. E dona Edite, além de motivadora, a mestre de todas as horas.

Esses grupos continuam ativa até os dias atuais. Obviamente o foco mudou. Mercado o objetivo atual. Antes era mais consumo doméstico.

Timóteo, no entanto, continua o mesmo: esbanja alegria. Lembra que, em certa ocasião numa exposição agropecuária na Fundação 25 de Julho ajudou a melhorar o pátio. Na boleia de um caminhão, de improviso, espalhou seixo rolado. Nunca cobrou por isso. E ninguém nunca perguntou se podia dirigir aquele ou não. Trabalhava por puro prazer. Bons tempos aqueles.

E vejam, contínua o mesmo:

Convida para saborear quiabo com polenta e galinha caipira. Torresmo não pode faltar. E provoca:

- Apareça. Negar impossível. Ainda mais à base de fogão de lenha, e com uma trempe à mineira na cabeceira.

Bom demais o privilégio de conviver com pessoas do quilate de Timóteo e dona edite. Nos despedimos com o coração apertado.

E a volta é certa: adoro quiabo.

Joinville, 7 de junho de 2023
Onévio Zabot

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