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CALIGRAFIA DE MARINA

Serviços: está servido? (da série 'Solteira procura: paz')

  • - Marina Martins é formada em letras português, inglês e literaturas e atua como professora de línguas no Instituto Federal Catarinense, em São Francisco do Sul. Sua incursão em uma escrita sistemática iniciou-se junto com as transformações da pandemia: criou o blog de crônicas vaguidaoespecífica.blogspot.com.br. Afinal, a literatura não poderia ser melhor maneira de transformar o real.

Marina Martins

Se você tem um problema em sua casa que não consegue resolver, provavelmente chamará alguém para o conserto. Para isso basta ter dinheiro para pagar o serviço e estar em casa, certo? Depende. Se você é uma mulher que mora sozinha, a situação não é tão simples assim. Ainda não conheci mulheres que fizessem reparos, tipo, esposa de aluguel. As pessoas que normalmente trabalham com esses serviços são homens. Homens que entrarão na sua casa, onde você mora, sozinha.

Ah Marina, você está exagerando! Imagina. Claro que não há problema nisso. Isso tudo é culpa desse tal de feminismo, que fica vendo cabelo em ovo. Pois bem. Vejam a história que se passou com uma amiga. Essa semana ela teve um problema e chamou um profissional para resolvê-lo. Tratou pessoalmente com a sua esposa, que disse que um deles iria na sua casa pela tarde. Ele ligou confirmando. Sim Seu Fulano, estarei em casa. Ele chega na hora marcada, excessivamente perfumado. Ela mostra o problema. No que ele começa a resolver vem a pergunta: 

_ A senhora tá solteira? Não casou? 

_ ... ? 

_ É que eu estou aqui com a chave do apartamento da minha cunhada, se quisesse a gente podia ir para lá. 

Pronto. Ela foi pega desprevenida. Normalmente já está mais ligada nisso, mas esse senhor já tinha feito serviço para ela, era seu conhecido, ela conhecia a esposa, havia dado aula para a filha!, realmente não havia se preparado para aquela investida. E nos 10 longos minutos em que ele esteve em sua casa, ela passou convencendo ele de que não, seu fulano, não quero ir para o seu apartamento. Nos argumentos dele constavam claro que havia brigado com a mulher, que ninguém ficaria sabendo, a indagação se ela não gostava de homem (sim, única razão óbvia para uma mulher solteira não sucumbir ao seu charme). E, para sua raiva posterior, conforme me relatou, se viu agradecendo por ele dizer que ela tinha um belo corpo. Agradecendo! Como se dissesse: Obrigada por estar sendo totalmente inadequado e antiprofissional. Mas como disse, havia ficado realmente sem reação, apenas pensando como conseguiria terminar com aquela situação de modo seguro. 

Ela se sentiu vulnerável, invadida em sua própria casa. Ele apenas falou, mas quem disse o que mais não poderia fazer? Ah você e sua amiga estão sendo puritanas. E daí que ele é casado? E daí que ele estava indo prestar um serviço? E daí que ele a ofendeu com uma proposta de sexo no meio da tarde? Na verdade é bem provável que foi tudo isso que ele pensou ao propor o que propôs e insistir. E ainda enfatizar no final que ela poderia chamar ele se mudasse de ideia (o que iria claro, quando se desse conta do que havia perdido). Essa é uma mulher que eu quero comer, e ela deve se sentir lisonjeada com isso, foi o que provavelmente pensou. 

Não sei como ele foi criado (depois desse ocorrido, conversando com outra amiga, fiquei sabendo de fatos muito piores do seu comportamento), mas sei como é a sociedade em que vive. É ela quem diz que o homem tem que ser viril, pegador, que é normal que homem traia, que um tapinha não dói. São os pornôs que ele vê desde de adolescente que mostram a mulher numa posição subjugada e, claro, tendo "muito" prazer nisso. Tudo bem, entendo. Entendo, mas não tolero. Assim como a minha amiga, quero poder pedir um serviço em casa sem precisar me preocupar com isso, sem ter que chamar um amigo ou fingir que sou casada. Quero me sentir naturalmente segura em minha casa. Quero que os homens saibam que não, nosso corpo não é um convite. 

O certo a fazer seria de alguma forma denunciar esse prestador de serviço, mas admito que existe medo do que isso poderia acarretar, principalmente para minha amiga. Diante dessa situação, me coloco no lugar de mulheres que de fato sofrem violência e imagino como seja difícil para elas. Na falta de outra ação, deixo minha denúncia nessas linhas, ao menos para que outras pessoas também pensem no absurdo dessa situação que muitos julgam normal.

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