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ARTIGO

O fascínio pelo rádio

  • - Receptor fabricado nos anos 30/40, marca RCA - modelo C 274 RC 607 valvulado, caixa de baquelite, funcionava com corrente alternada - 110 volts. O dial mostra que o aparelho sintonizava emissoras que transmitem em ondas médias nas frequências de 550 a 1700 kilohertz e em ondas curtas nas frequências de 19, 25 e 31 metros. O rádio não funciona e faz parte da coleção do autor.

Ary Silveira de Souza

O rádio sempre exerceu em minha vida um extraordinário fascínio. No início dos anos 40, minha família residia em São José, na Grande Florianópolis, eu tinha oito anos e meu irmão Etelvino integrava o 2ª Escalão da FEB - Força Expedicionária Brasileira -, lutando contra o nazismo nos campos da Itália. Antes de meu pai comprar um rádio, na época objeto de luxo, nos deslocávamos à noite, a pé, do bairro Ponta de Baixo em São José até a Ponte Imaruí, já no município de Palhoça, pouco depois da divisa entre os dois municípios, onde não havia luz elétrica. Lá residia minha tia Antonia, meu tio José Porto e generosos primos que nos recebiam sempre com muita alegria.

Além do amor pelos meus tios, meus pais tinham mais um motivo para caminhar longo percurso na escuridão da noite. É que meu tio possuía energia eólica em sua casa, gerada por um enorme catavento que carregava duas baterias e estas forneciam iluminação interna e alimentava um rádio. Todos nós ficávamos diante do rádio, principalmente para ouvir o Repórter Esso com notícias sobre as batalhas travadas pelas forças aliadas contra o exército de Adolf Hitler. As informações do Repórter Esso tanto podiam transformar nossa volta em momentos de conversas amimadas, alimentando a tênue esperança dos meus pais em ver de volta o filho querido, como podiam provocar a mais profunda tristeza.

Depois de muitas caminhadas, meu pai resolveu comprar um rádio. A antena, um fio preso nas extremidades de duas longas varas de bambu apontando para o céu, indicavam que em nossa casa havia um rádio. A tensão da corrente de 110 volts, no fim da tarde até o início da madrugada sofria uma queda tão significativa que não permitia o funcionamento do rádio e a iluminação da casa passava a ser feita por lampiões a querosene e velas fabricadas pelas Cia. Wetzel.

Foram muitas as noites que eu ficava acordado até a madrugada esperando aumentar a voltagem para ouvir emissoras do Rio de Janeiro, como a Nacional, Tupy e Tamoio, Record e Tupy de São Paulo. Estas e outras emissoras eram facilmente sintonizadas tanto em Ondas Médias como em Ondas Curtas. A qualidade do som se igualava ao da Rádio Guarujá, única emissora da vizinha Florianópolis.

Foi através do Repórter Esso da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, sintonizada em nosso rádio, em fevereiro de 1944 que felizes comemoramos a queda de Monte Castelo, na região Norte da Itália, último reduto do exército Alemão. Depois tivemos informação que meu irmão Etelvino, havia participado desta que foi uma das mais importantes batalhas da Segunda Guerra Mundial com a tomada de Monte Castelo pelas Forças Aliadas.

Alegria maior foi ouvir em nosso rádio a notícia do fim da guerra, repicar dos sinos da Igreja Matriz de São José e o pipocar de fogos. Alegria só superada com o retorno do meu querido irmão que fez voltar a alegria de toda a família, perdida com a sua partida.

Na Itália, Etelvino atuou no Batalhão de Saúde. Arriscando a própria vida ele evitou que muitos soldados aliados fossem parar no cemitério de Pistóia, onde foram sepultados os corpos dos combatentes aliados tombados em campos de guerra da península itálica

Cansado de tanto recolher combatentes feridos pisando em terreno minado e desafiando o poder de fogo das metralhadoras, hoje descansa a paz dos justos na casa do Criador.

Foi neste clima que eu e o rádio nos conhecemos e com o passar do tempo ficamos cada vez mais íntimos até que em 1961 eu ingressei nele através da Rádio Difusora de Joinville onde premiado pelo destino exerci por mais de 10 anos a função de locutor noticiarista, então ele entrou em definitivo em minha vida. Até hoje, diante dos microfones ou na condição de ouvinte,jamais nos separamos.


NSC/Autor apresentado o programa Jornal das Sete na Rádio Leste FM

Ary Silveira de Souza Jornalista, radialista e escritor

Editor do portal de notícias JI Online


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