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CAMPO & CIDADE

Itapoá sempre verde - Onévio Zabot

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Chico é dessas pessoas de bem com a vida, percebe-se isso à primeira vista. Olhar sereno de quem apanha anchovas no mar. Detalhista, parece desenhar engenhos de farinha. Expõe ancestralidades. Minúcias operacionais. Evoca a boa gente, a colheita do aipim. Farinhar - uma arte -, pondera com certo ar de nostalgia. Engenhosidade pura.  Aipim: da lavoura à mesa, cada passo uma surpresa. Lances de sabedoria. Pressentir o ponto certo de baixar o fogo, o segredo. O melhor, porém: depois de um bom mutirão, fandango à solta; pois, como diz o poeta Juvenal Galeno: - "Pernas pro ar ninguém é de ferro". Bom demais, sô!

Naquela manhã ali estava ele à porta de Secretaria da Agricultura e Pesca de Itapoá. Faço questão de saudá-lo:  - Amigo Chico, que honra ser recebido por tão ilustre filho desta boa terra. Chico conhece na palma da mão poucas e boas. De roça e de mar, é com ele. Simpático, do alto de seus anos, sempre tem uma boa história para contar.
 Ressalte-se: Itapoá é desses recantos abençoados. A orla revela-se sobranceira. Encantadora mesmo.  Ondas quebram ao largo. O imenso oceano esconde-se atrás do horizonte. Surpresas inesperadas.  Rabisco de nuvens no céu. Ali tudo vibra. Saltam aos olhos embarcações. Revezam-se na captura do camarão. Distantes, mas nem tanto assim.  

Procurava pelo escritório da Epagri, por Antonio, extensionista local. A parceria com Associação de Defesa e Educação Ambiental (ADEA) engendra novos desafios. Põe desafio nisso.
Itapoá vive um boom - momento sui generis. Experimenta forte crescimento.  Iniciativas pululam.  O porto, sonho de Aurélio Ledoux -, impulsiona o processo, consolida-se com alavanca motriz. Carretas, muitos containers. Área retro portuária em expansão. Efervescência.

O porto, no entanto, pode, mas não pode tudo. O mar se apresenta gracioso, extenso, quase trinta quilômetros de praia. Atratividades não faltam. A pedra que dá nome a cidade lá está soçobrando ao largo. Ora projeta-se no horizonte, ora mergulha no mar.
Elucubrações à parte, vamos aos fatos, à razão da visita: retirar mudas de palmeira juçara, viveiro da ADEA, fruto de parceria com o Porto de Itapoá. Chico nos acompanha até o local.  Jovens biólogas: Caroline e Alessandra nos recebem. Esbanjam carisma. Expõe em detalhes o projeto da ADEA: Itapoá Sempre Verde. A ideia é construir um novo viveiro voltado à educação ambiental. E fomento.  Nesse sentido buscam parceria. Uma andorinha sozinha não faz verão, destaca o adágio popular.

Resgatar espécies da flora nativa, um senhor desafio.  E resgatar significa identificar matrizes, coletar sementes, processá-las, armazená-las e, sobretudo, semeá-las.  Produzir mudas. Mudas de qualidade.  E, sobretudo, assegurar que sejam levadas a campo. Monitoram por georeferenciamento nos locais arborizados. Malha verde distendendo-se. Tear enredando paulatinamente. É contagiante a motivação das biólogas.

O projeto que fora desenvolvido na Reserva Volta Velha, busca novos voos, destaca Werney protagonista e idealista da proposta: - Vamos começar tudo de novo. Temos uma área à disposição e pretendemos recomeçar. Faz questão de enfatizar: tudo na base do voluntariado.
E lá vamos nós, a campo. Itapoá mais conhecido pela balneabilidade, nos contrafortes da serra, se destaca: - cinturão verde expressivo. Primeiro de Julho, a estrada. Somos recebidos por Zé Pedro de ascendência portuguesa. Administra terras por lá, incluindo a antiga captação de água da cidade, hoje em ruínas.
Aqui, afirma Werney, vamos instalar o novo viveiro, parte de um projeto maior de proteção de nascentes e mananciais, a começar pela bacia do rio Saí-mirim.   Rubens Gunther nos acompanha. Mecenas, contribui para o projeto - cessão da área, coisa de vinte mil metros quadrados.

Após a visita, anchovas à mesa. Sim, anchovas não podem faltar em Itapoá. Degustá-las, um privilégio.   E Werney, intelectual e escritor - membro da Academia de Letras Cruz e Sousa de Itapoá -, como filho de colonizadores esbanja sabedoria. Fala de Yawritswa, índio do Xingú radicado por ali. Ergueu até uma Oca na Reserva Volta Velha. E nas suas narrativas aos visitantes conta a lenda da origem de seu povo. - Nasceram de uma flecha.
Werney, sobre o fato, o provocou em certa ocasião: - Yawritswa, você acredita mesmo que seu povo nasceu de uma flecha. Após um longo silêncio, este devolve a bola: - E você, Verney, acredita que Eva surgiu da costela de Adão.

Nem precisou desbastarem o raciocínio. Entreolharam-se, céticos. Algo carece de melhor explicação, obviamente.  Estupefato com a resposta de Yawritswa, Werney emenda: - Sabe das coisas aquele filho do Xingú. Notável inteligência.   
Finda a visita, lá me vou, mas não sem antes deixar alguns exemplares de meus últimos livros: Campos de Nozes (poesia), Geada Café e Viola, Retrato de Uma Época (memória) e O Lobo do Bucarein (crônicas e causos). Caroline, pede autografo.
Ao partir levo na Doble um tesouro: mudas de palmeira juçara. O propósito: instalar unidade de referência técnica para produção de frutos.  E frutos, uma vez processados, resultam em   polpa de açaí, novo eldorado da Mata Atlântica.
É certo, no entanto:  Itapoá mais do que praia, pulsa criatividade. E gente inspirada - cá entre nós -, é tudo.
                                                       Itapoá, 24 de setembro de 2021





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