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CAMPO & CIDADE

Glauco Olinger

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Da redação -  Onévio Zabot - 29/10/2022 - 20h22 -   2022, setembro, dia 13 - Glauco Olinger, engenheiro Agrônomo, chega ao centenário. Isso mesmo, cem anos bem vividos. Memorável a comemoração na UFSC. Sua lucidez impressiona.Discorreu em detalhes sobre episódios marcantes de sua trajetória. Memória prodigiosa. Olhar de lince. Ou por outra: lobo das estepes.

Se, hoje, Santa Catarina se orgulha do agro muito devemos a esse notável líder. Visionário, sempre esteve à frente de seu tempo. Filho do tropeiro lajeano Olímpio. Nessa lida forjou seu carácter. Foto dele ao lado do pai, ambos pilchados como campeiros - gaúchos
serranos -, na cabeceira da Ponte Hercílio Luz - primor de imagem. Inesquecível. Montaria selada a capricho. Impecáveis. Oito anos apenas, mas determinado; percebe-se. Do pai herdou a índole. A perspicácia. O carácter. Tino de lidar com pessoas. Compreendê-las. Podia ter almejado qualquer carreira, mas optou pela agronomia cursando-a em Viçosa/MG. Faro de gavião serrano diria Dorvalino Furtado.

Uma vez formado - década de 1950 -, um desafio nada modesto: chefiar assentamentos agrários em Francisco Beltrão, Paraná. Empreitada espinhosa. Conflitos de terra. Grilagem. Jagunços. Mortes. Obstinado, carabina à mão, mostra a que veio. Aberto ao diálogo, mas irredutível na conduta. Retidão.
Certa feita na iminência de um conflito - famosa revolta dos colonos do sudoeste paranaense - recorre ao Ministro da Agricultura de então. Expõe o quadro, este apreensivo - o coloca diretamente em contato com Getúlio Vargas, presidente da República. Tomando pé da situação Getúlio é inciso:

- Aí representas a República; tens todo o meu apoio. Após refregas homéricas os ânimos serenam. Reivindicações dos colonos foram atendidas. Um episódio, no entanto, o marcaria para sempre. Adquirem máquinas e equipamentos para os assentados. A empresa que os vendeu o procura, oferece uma certa quantia monetária. Fato corriqueiro na época. Ou por outra: famosos dez porcento por fora.

Glauco sem alarde reúne os assentados, convoca o vendedor e diante de todos reverbera: - Tem uma sobra aí, nada mais justo do que verificarmos se faltou algum equipamento. E havia faltado, sim. Não à toa que hoje, em Francisco Beltrão, na praça central, o escritório do primeiro gestor lá se encontra intacto. Museu da colonização.

E Glauco, o personagem central. Vencida essa etapa é convocado para outra missão: estruturar o serviço de extensão rural em SC. Projeto ETA 17, depois transformado em ACARESC (29 de fevereiro de 1956). Sua marca: austeridade. E de outro lado: cercar-se de pessoas qualificadas; daí a rigidez nas contratações. Nada de apadrinhamentos. A postura incomum na época rendeu-lhe poucas e boas. Umas das mais cabeludas: contornar a indicação das filhas do governador de então, Jorge Lacerda. Que fizessem concurso, a recomendação de Glauco. Safou-se graças a presença do representante da Fundação Rockfeller. Na audiência com o governador Glauco traduzia as indagações do preposto.

Entre elas sobre a forma de contratação. Perguntado se podia contratar as jovens sem concurso, o mesmo acenou negativamente. Não sabia falar português. Assunto encerrado. Astuto, Glauco havia combinado o gesto com o mesmo. De outra feita precisando renovar a frota de veículos da ACARESC envia um funcionário às revendedoras. Faz uma sondagem. Anotam preços. Especificações. Quando, porém, foi lançado o edital, os preços eram bem mais salgados.

Instadas a dar explicações as concessionárias reconheceram o equívoco, concordando com os valores iniciais. Cá entre, no entanto, como associação, a ACARESC nem era obrigada a licitar. Glauco, porém, jamais abdicou dessa prerrogativa. Comprou até uma aeronave para facilitar o deslocamento às regiões mais afastadas, cujas estradas de então, precárias, demandavam dias de viagem, especialmente nos períodos chuvosos.

No governo Celso Ramos ao lado de Alcides Abreu comandaram a virada econômica de SC; implantam as bases de desenvolvimento: UDESC e BESC, entre outras iniciativas.
Exerceu em vários governos a função de Secretário da Agricultura, foi presidente de Empresa Brasileira de Extensão Rural (Embrater) e assessor de ministros da agricultura. Ao lado de Alysson Paulinelli e Elizeu Alves - contemporâneos de Viçosa -, revolucionaram o Agro brasileiro. Fundador do Centro da Ciências Agrárias da UFSC; e professor emérito. Uma lenda viva Glauco Olinger.

Sobre sua passagem pela EMBRATER, fato hilário. Vez por outra, quando em viagem pelo interior do país, sem aviso prévio batia em algum escritório local. Foi o caso de Ilhéu, Bahia. Sexta-feira à tarde, a visita. Escritório fechado. Imaginava o extensionista a campo. Nada disso. Alguém informa que está na praça da cidade. Glauco se dirige ao local, e a surpresa: o samba corria solto. Pergunta, aqui; inquiri ali, dá de cara com o extensionista. Este de bermuda e sem camisa, mesmo diante de Glauco, continuou o sapateado. E não satisfeito, emendou:- Doutor, doutor, qual a sociedade do futuro. Glauco impressionado com a naturalidade do interlocutor, aguarda... Este, então, desopila: - A sociedade do lazer, doutor. E nos já estamos nela.

Sobre o desfecho do episódio, obviamente que o técnico estava na hora não marcada no lugar errado e (pasmem!) diante do interlocutor imprevisto. Tivemos o privilegio de - como diretor técnico da Cidasc, trabalhar com ele, como presidente da Empresa. Leal e de uma simplicidade surpreendente, atendia a todos indistintamente. Sempre de portas abertas. Se, hoje, Santa Catarina, goza de excelência sanitária muito devemos a ele, ao Médico Veterinário Abel Just e sua equipe. Publicou dezenas de obras de cunho técnico e didático. Referenciais. Clássicas. Entre elas, destacamos: Ascensão e Decadência da Extensão Rural no Brasil, 1996; e Agricultura
Catarinense Em Busca do Equilíbrio Ecológico, 2013.

Glauco jamais curvou-se ao proselitismo político-partidário. Proselitismo apequenado: favores e barganhas. Como estadista sempre pairou acima das veleidades humanas. Assim agiu, legando-nos um primado inestimável. Nesses tempos bicudos, seu exemplo, com certeza, sopra aos quatro ventos.
Ler as obras de Glauco ou ouvi-lo, evoca sabedoria. E - cá entre nós -, sabedoria centenária - uma benção divina. Vida longa, portanto, ao nosso eterno mestre - Glauco Olinger.

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