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CAMPO & CIDADE

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  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

DOUTOR TOLEDO - Onévio Zabot

Lá se foi o grande amigo: o doutor Toledo. O acaso nos aproximou: o cultivo de pupunha, e o destino nos separou: o maldito covid-19. Cultivar palmeiras, pupunha para produção de palmito - largada do século XXI -, obstinação do doutor Carlos Toledo.

Vez por outra aparecia na Epagri. Longas confabulações. Pretendia implantar o projeto Ouro Branco - um mundão de pupunheiras. Ouro Branco, assim o denominou, um catatau onde detalhava informações de ordem técnica e de gestão, especialmente sobre custo de produção e rentabilidade. 

Primeiro o implementaria na bacia do rio Quiriri, depois no vale do rio Cubatão. Para tal desenvolvera uma estratégia de ação: viveiro, fomento, agroindústria. Como dizia Luiz Henrique, saudoso líder político: - doutor Toledo era um visionário. Com dados na ponta da língua, os esmiuçava. Insistia. Com sementes provenientes da Amazônia e dos Andes peruanos, material genético de qualidade estava garantido. 

Zelina - fiel escudeira da Epagri -, sempre que ele chegava; eram frequentes as visitas -, instava-me: - O doutor Toledo está aí. Quer falar contigo. Cortês como sempre conquistara o apreço dos colegas de trabalho. 

Mas - cá entre nós -, tudo tem seu tempo: da elaboração do projeto, até convencer os agricultores, obviamente, havia um caminho árduo a percorrer. Ressentiam-se os agricultores das amarras impostas ao corte do palmito juçara. 

Em torno da espécie, agroindústrias prosperaram, conquistaram o mercado externo. A súbita proibição traumatizou-os. Se não podemos colher, melhor não plantar, raciocinavam. 

Com o fim do ciclo da juçara, palmiteiro nativo da mata Atlântica, subitamente as agroindústrias foram entregues às traças. Cadê matéria-prima? E lá se foi um prato nobre. Refinamento gastronômico. 

O palmito juçara, espécie-chave da mata Atlântica, sempre teve um papel fundamental no equilíbrio ecológico, daí a polêmica. Os frutos - uma preciosidade - são disputados pela fauna silvestre: aves e roedores. A polpa, energética e rica em vitaminas insere-se no contexto agroalimentar. Controla radicais livres. As aves ao regurgita-lo disseminam-no na floresta. E, assim a espécie, gradativamente, foi ocupando o hinterland. Queixadas e tatetos igualmente - uma vez derriçado no solo -, o saboreiam.Mas, depois da extração desordenada, sem a devida reposição, esvaziou-se a mata. Exauriram-se as reservas. Ameaçado de extinção, o IBAMA aplica o golpe fatal: proíbe sua supressão.


Nesse interregno, em Guaramirim, Rudolph Jhan, tradicional produtor de conservas, busca alternativas. Depara-se com a palmeira real australiana introduzida que fora como espécie ornamental, conhecida como seafórtia pelos paisagistas. O padre Raulino Reitz, na obra Palmeiras, ainda em 1974, apontava o potencial da espécie: "Vejo nela amplas possiblidades de substituir em cultivo o palmito juçara (Euterpe Edulis) porque cresce com a mesma rapidez em altura produzido mais massa por sua maior grossura". E complementa: "Pode ser aproveitada ao natural, como em conserva, dando maior rendimento por unidade do que o palmiteiro nativo".

Embora o avanço da palmeira real, doutor Toledo insistia no cultivo da pupunheira em razão das características da espécie: perfilhamento, precocidade e processamento "in natura". Certamente, uma vantagem. 

Á época, o projeto não logrou êxito, embora os esforços empreendidos. Mesmo assim, doutor Toledo e dona Iraci, sua esposa, introduziram toneladas e toneladas de sementes na região. Milhares de mudas foram produzidas. Ampliaram-se os cultivos. Segundo o IBGE, censo de 2017, mais de 20 mil hectares. Expandiram-se as agroindústrias. Hoje, são mais de sessenta no litoral norte catarinense. Um case de sucesso, sem dúvida. 

Quanto ao doutor Toledo, boa gente, cortês e camarada, como médico homeopata, comportava-se como uma espécie de cigano. Hora em Joinville, hora em Rio Branco, no Acre, onde lecionava medicina. Mais precisamente: Introdução à Medicina. 

Em agosto de 2019 - no auditório do Restaurante Rudnick, em Pirabeiraba, nos encontramos durante o evento: Seminário de pupunheira e palmeira real australiana no Sul do Brasil. O entusiasmo era o mesmo de sempre. Pergunta por terras para arrendar. A intenção: ampliar áreas de plantio. 

Mas, eis que o destino inesperadamente lhe pregou uma peça. O coronavírus não o poupou. Que Deus o tenha! Deve estar cultivando palmeiras no além, menos mau para quem sempre esteve à frente de seu tempo. 

Mas, cá entre nós, o projeto Ouro Branco, hoje, é um sucesso. Alvíssaras, doutor Toledo! 

Joinville, 27 de novembro de 2020


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