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CALIGRAFIA DE MARINA

CALIGRAFIA DE MARINA

  • - Marina Martins é formada em letras português, inglês e literaturas e atua como professora de línguas no Instituto Federal Catarinense, em São Francisco do Sul. Sua incursão em uma escrita sistemática iniciou-se junto com as transformações da pandemia: criou o blog de crônicas vaguidaoespecífica.blogspot.com.br. Afinal, a literatura não poderia ser melhor maneira de transformar o real.

Simplesmente não - Marina Martins

Certa vez uma amiga me disse essa frase "O sim que eu digo para os outros é o não que eu digo para mim mesma." Eu sei que ela pode soar um tanto egoísta, talvez enfatizando que a gente só deva pensar em si próprios, mas ela traz uma reflexão importante sobre o poder do não. Será que eu consigo dizer não? Ou me sinto culpada? E com isso vou acumulando tarefas indesejadas ou que não dou conta, programas sociais que queria evitar, tratamentos que me são indesejados? Quantas vezes eu uso uma mentira social, para não precisar dizer um não genuíno, do tipo "desculpa, mas não". Será que eu temo uma reação negativa ao meu não?

Na verdade, nosso medo de dizer não talvez esteja muito relacionado com o nosso próprio receio de receber um não. Percebo nas últimas gerações que a nossa dificuldade de lidar com a frustração vem se tornando cada vez mais acentuada. Queremos tudo não apenas do nosso jeito, como queremos imediatamente. Se mandamos uma mensagem esperamos uma resposta instantânea. Queremos likes. Queremos visualizações e seguidores. E queremos ser aceitos, claro. 

E fazemos o mesmo com nossas crianças. Hoje em dia não criamos meros infantes. Criamos príncipes e princesas. Aplaudimos quando eles se mostram independentes, quando já tem vontades antes dos 3 anos. Ficamos impressionados porque achamos que isso é sinal de desenvolvimento, e tememos que negativas possam tolhe-lo/a. E nisso criamos crianças que não sabem mais lidar com a força de um não, que tem problemas com limites, que se frustram, mas que não sabem entender essa frustração. 


Para adultos não é muito diferente. Temos por exemplo que ter campanhas em que ensinamos aos homens que o "não é não!". Com isso tentamos garantir que a escolha principalmente das mulheres de não querer uma investida sexual seja respeitada (mesmo que ela tenha ido ao apartamento dele, de fato apenas para tomar uma cerveja). E o inverso também precisa ser verdadeiro. O quanto respeitamos o não do homem? O quanto a sociedade aceita que um homem diga não a uma investida sem que ele seja considerado afeminado ou até impotente? Parece que em termos sexuais, nossa cultura acredita que a predisposição ao sexo deva ser sempre considerada como a verdade. Aí, em contrapartida, temos a neurolinguística afirmando que a negação seria algo negativo, algo que o universo não ouve. Então eu não posso pensar que 'não quero ser pobre', por exemplo, porque isso seria considerado apenas como 'quero ser pobre' (afinal em toda negação há uma afirmação). Dessa forma, diante de alguém que está disposto a pular de um edifício, não diríamos 'não pula', mas diríamos algo como 'volta para dentro', 'fica no lugar'. E isso até pode fazer um certo sentido. Nos ajuda de fato a tentar focar no mais positivo. 

Talvez o que tenhamos que buscar seja o equilíbrio entre o sim e o não, resposta que provavelmente esteja em nós mesmos. Temos sim que, em nossa atitude, sermos positivos porque isso torna a vida mais leve. Mas, ao mesmo tempo, temos que aprender a aceitar naturalmente o não que nos é dado, assim como temos que aprender a dizer mais nãos para respeitar a nós próprios. Da mesma forma, temos que ensinar nossas crianças que o não é tão natural quanto o sim, e que isso não quer dizer nada a respeito de quem ela é e de suas capacidades. E tudo isso é possível se acreditarmos que estamos sempre evoluindo, que cada um teu seu espaço e seu processo de crescimento e que às vezes o não nos empurra mais para a frente do que um próprio sim. Não é?

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