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CALIGRAFIA DE MARINA

CALIGRAFIA DE MARINA

  • - Marina Martins é formada em letras português, inglês e literaturas e atua como professora de línguas no Instituto Federal Catarinense, em São Francisco do Sul. Sua incursão em uma escrita sistemática iniciou-se junto com as transformações da pandemia: criou o blog de crônicas vaguidaoespecífica.blogspot.com.br. Afinal, a literatura não poderia ser melhor maneira de transformar o real.

A peso de ouro - Marina Martins

Ela está ali olhando para você. Esperando. Rindo de sua hesitação. Você tira toda a roupa, tudo que possa ser excesso. Faz xixi. Sobe nela. Os números trocam, trocam, trocam, até chegar naquele valor exorbitante. Você olha. Olha mais uma vez. É, por mais que queira, ela não está errada não. Você chegou nesse peso. E sabia como havia sido. Estava consciente do processo de autossabotagem que havia realizado nos últimos meses. Agora estava ali o resultado.

Havia cansado e decidido não fazer mais dietas. Uma vida toda emendando uma dieta na outra. A dos pontos, da sopa, da lua, do jejum, da proteína, além das de nutricionistas. Sim, já fora a muitas. Era praticamente uma tocadora de forró, só no corpo sanfona. Mas sua questão com a comida, sabia, era bem mais complexa. Como a maioria das pessoas com problemas de peso. Comia por estar triste, por estar ansiosa, por estar entediada, por estar alegre. Sua resposta sempre era: a comida. E assim nascem os hábitos. E assim pesam-se os quilos. 

No entanto, dessa vez, antes de voltar para mais uma dieta, decide se empoderar como gorda. Passa a seguir perfis de mulher gordas e confiantes. Vê lingeries tamanho 52. Compra roupas plus size que são exatamente do seu estilo, só que grandes. E percebe que poderia tranquilamente ser feliz assim. Quem ensinou que o corpo gordo é para ser repelido? Você própria precisaria largar dessa ideia que sabe trazer consigo. Mas e é possível? O quanto a sociedade valoriza outros corpos que não sejam os de modelo de passarela? Por que valorizamos tanto, por exemplo, as operações verão, para que se tenha um corpo digno de exibir na praia? Não seriam todos "corpos de praia"?


O que temos que pensar em relação ao peso, isso sim, é nossa saúde. Do que estamos nos alimentando que faz com que cheguemos a um peso tão elevado? Será que é comida de verdade ou são alimentos processados e álcool? Do mesmo modo, falamos tão mal de drogas mas tratamos o açúcar branco normalmente, até como sinal de afeto para com as pessoas que amamos. O fato é que nossos hábitos alimentares, com a vida corrida, tornaram-se cada vez mais práticos e piores. Temos menos tempo de preparar refeições balanceadas, às vezes nem tempo também para comer em família. Quantas vezes não engolimos a comida e nem prestamos atenção ao que estamos ingerindo? E infelizmente, em boa parte dos casos engolimos não apenas a comida mas o tédio, a frustração, o cansaço. E podem ter certeza que tudo isso pesa.

Talvez o nosso caminho rumo a um peso saudável esteja em não se martirizar em busca de uma forma padrão que não combina com nosso estilo de corpo, mas buscar uma relação diferente com a comida. Apreciá-la sim, em toda sua plenitude, porque comer é uma delícia mesmo. Quer coisa melhor do que provar novos sabores, texturas? Ou reunir-se com família ou amigos para desfrutar de um belo almoço ou jantar? O que devemos é não achar que estamos comendo a última refeição da vida todas as vezes. É fazer escolhas, diminuir porções. Mas, principalmente, valorizar o preparo dos pratos, com atenção, com afeto, e nunca, jamais demonizar a comida. Afinal, cozinhar para si e para os outros, é com certeza uma forma de amar, mesmo que se esteja em dieta.


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