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CAMPO & CIDADE

BODEGA DOS MALDANER

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Onévio Zabot

Casildo Maldaner, nos deixou. Uma perda sentida. Faz falta, certamente, especialmente nestes tempos bicudos. Vai-se o guerreiro, fica a lenda. Político de virtudes raras; adotou o bom humor - dosado com uma fina ironia -, como linha de conduta. Postura que o destacava. Daí, circular com desenvoltura, mesmo entre os adversários políticos. Privilegiava sempre o diálogo. Internalizara a máxima: - Prefiro duas horas de diálogo que cinco minutos de tiroteio".

Casildário I e II da lavra do escritor Dorvalino Furtado Filho capta de forma brilhante as tiradas magistrais do hábil político e homem público de conduta ilibada. Dele nunca se ouviu falar que praticasse qualquer ato, senão em benefício coletivo. Um fato raro no mundo político, onde sequer a esquerda conseguiu navegar incólume. Essa vitoriosa jornada calca-se, certamente, na sua formação.

Filho dos grotões, natural de Carazinho (RS), tem apenas dois anos de idade quando a família migra para Chapecó (1944). O meio de transporte, a carroceria de um caminhão. Mais tarde, mudam-se para Modelo, estabelecendo-se na Linha Salete. Escola naquela época, nada por perto. Entregava leite a cavalo na cidade, daí o pouco tempo para estudar.

Eis, no entanto, que surge a oportunidade: estudar para padre em Maravilha, e depois Santo Ângelo (RS). Interrogado pela Irmã Gestora do Seminário de Maravilha sobre a sua vocação sacerdotal segue à risca o conselho paterno: - Meu filho só pode ficar no seminário quem quer ser padre, então não negue isto nunca". Saiu-se então com essa: - Irmã - papai me aconselhou a dizer que sim.

Aos 19 anos assenta praça no exército. Seminário e exército, duas escolas que o marcariam para sempre. Fé e disciplina. Mas foi no bodegão de seu pai - Seu Andréas -, que Casildo moldou sua personalidade de hábil negociador e articulador.

A bodega, sem dúvida, marcou profundamente a sociedade brasileira não importa a região. Diferente da Igreja, local circunspeto, reservado à fé, a bodega, representa a outra ponta: mercadoria, sagacidade. Bom papo. E, sobretudo lugar de muita informação, especialmente naquela época. De um lado o fornecedor de mercadoria, a figura do caixeiro viajante, e de outro o comprador, no caso, os colonos. Operava como banco, serviço de correio, lugar de bate papo e de boa prosa. Andréas, pai de Casildo e dona Érica, sua mãe e mais oito irmão formavam um núcleo familiar confiável. Acolhedor. Referência, portanto, de boas amizades. Bom humor e muita informação e aconselhamentos, afloravam naquele ambiente familiar.  


Esse convívio levou-o naturalmente ao campo político. O pai recusando a candidatura a vereador, indica Casildo. Só aceita o convite depois de muita insistência, pois jugava-se não preparado aquela missão. Faz a campanha no lombo de cavalo. É o segundo mais votado. Desse primeiro passo, seguem-se outros cada vez mais ousados: deputado estadual, federal, Vice-governador de Pedro Ivo, assume o governo com o falecimento do titular (1990), e depois elege-se senador.

Coerente, sempre manteve a mesma postura: alegre, perspicaz e, sobretudo, atento observador. Esbanjava bom humor, fazendo deste predicado, uma ferramenta para passar mensagens mesmo que fossem duras, pois nunca negou fogo, nem fugiu de peleia. Pois como diz o ditado gaúcho: - "Gauderio buenacho pode cagar nas bombachas, mas não larga a faca".

Ao assumir o governo do Estado, no discurso de posse, resume esse espírito desprendido: - Formaremos um Conselho político, um Politburo que irá comandar a nossa Perestroika". Perestroika era coisa do Gorbatchov, último dirigente do antiga União Soviética.

Dorvalino Furtado, no Casildário II, de forma brilhante, reúne algumas destas tiradas geniais. Sobre dificuldades de governar atribuindo às turbulências, emenda Casildo: [...} Essa turbulência, é consequência de uma tripulação desatenta, que até com o mais suave espirro derruba a aeronave do céu". A redenção, porém. "Como estamos na época de Páscoa tudo isso vai passar, mesmo que seja depois de três, quatro ou cinco dias". Referia-se à ressureição". No Conselho de Ética do Senado: "A lealdade vai até a comprovação do delito. A partir daí, torna-se cumplicidade". Sobre o Banco do Brasil, órgão oficial de crédito rural para que adote uma nova política: "Está na hora de o Banco do Brasil tirar o sapato de camurça, calças, botas e botinas e ir para a roça. ...porque o pobre vende tudo o que tem, como, o porco e a galinha, para pagar suas dívidas à instituição". Sobre comunicação com correligionários do PMDB: "Onde não der para estar fisicamente, vamos telefonicamente nos encontrar." Sobre os reclames de Joaçaba com a emancipação do distrito de Luzerna: - Não se preocupem, vocês vão continuar sendo o Vaticano do Vale do Rio do Peixe". Rebatendo reportagem da revista Veja sobre turismo, prevendo chuvas para a região sul na temporada de veraneio, cria o slogan: - "No Nordeste tem sol, mas também tubarão, e nos, além do sol, a sereia". Sobre Ulysses Guimarães, cujo corpo nunca foi resgatado do mar: - "Ulysses foi o maior. O destino quis. Um caixão era pequeno enterrá-lo, precisava de algo maior como as catacumbas oceânicas". Sobre candidaturas: "Já fui candidato a tudo: a vereador, Deputado Estadual, Deputado Federal, Vice-governador...alias até a Padre". Sobre os políticos: "O político para ser completo tem que sentir os dois lados, o da vitória e o da derrota".

Sobre Casildo, Luiz Henrique que o conhecia bem, afirmou: - O pele-vermelha quando queria saber sobre a direção dos cavalos selvagens e dos búfalos, punha ouvido no chão, para ouvir o tropel. Casildo é mais hábil, pega no ar o que o povo está pensando".

Esse Casildo Maldaner, exemplo raro de cidadão de bem que combateu o bom combate.

Descansa em paz velho guerreiro, pois foste digno de tua missão, legando-nos um primado de honestidade, dedicação e zelo pelo bem comum. Alvissaras!

                                                            Joinville, 22 de maio de 2021

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