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Coluna das Artes

A Morte de Marat - Elisa Silva

  • - (A Morte de Marat, 1793, Louvre)

Jean-Paul Marat foi um dos principais membros da Convenção Nacional - órgão que governou a França durante o mais sangrento período da Revolução Francesa chamado de a época do terror -, Marat era um jornalista radical que insuflava a violência em seu jornal L'Ami du Peuple (O Amigo do Povo).

Como radical que era, Marat fez centenas de inimigos, em especial entre os Girondinos, e, após sua apologia à violência, acabou ele mesmo sendo violentamente assassinado em 13 de julho de 1793 por Charlotte Corday, uma monarquista que para se encontrar com sua vítima mentiu dizendo ter informações contra rebeldes monarquistas.

Quando morreu, Marat era um homem de aproximadamente 50 anos e sofria de uma grave doença de pele, que o obrigava a passar a maior parte do tempo dentro de uma banheira com água, motivo pelo qual a sala de banho era o seu escritório. A doença acarretou várias cicatrizes no corpo de Marat, completando o espetáculo visual desagradável.

Apesar do cenário verdadeiro ser adverso, Jacques-Louis David quando pintou A Morte de Marat elaborou uma pungente e terna cena, capaz de comover até o mais frio espectador. A pergunta é por qual motivo o pintor escolheu representar o político desta forma? A resposta é simples, o pintor partilhava dos mesmos ideais políticos de Marat, além é claro que os dois eram amigos.

David não queria pintar um retrato, mas fazer um tributo ao seu amigo e companheiro de campanha. Aliás, o pintor foi convidado pela Convenção Nacional para organizar a cerimônia fúnebre e pintar um memorial para aquele que na época era um atuante líder da revolução.

Com o passar do tempo, os valores da revolução se transformaram e Marat passou a ser indesejado, ao ponto de ter sido desenterrado do Panteão, memorial construído para abrigar os heróis da pátria e onde Marat foi originalmente enterrado.

Jacques-Louis David por pouco não teve o mesmo destino de Marat, chegou a ser preso, perdendo sua fortuna e seu prestígio, artístico e político. Contudo, em razão do grande talento propagandista, foi reabilitado por Napoleão Bonaparte e transformou-se no pintor mais influente da época, seus quadros são os mais fortes registros da revolução e do império de Bonaparte, tanto que o ateliê de David foi o mais importante da Europa entre os anos de 1785 até 1814, formando artistas do calibre de Ingres.

David iniciou seus estudos ainda durante o Rococó e, como prodígio que era, ganhou em 1774 o prix Rome, bolsa de estudos que permitiu que ele viajasse para Roma para estudar arte clássica. Influenciado por Joseph-Marie Vien (seu professor) Jacques-Louis David abandonou o estilo frívolo do Rococó e adotou os cânones da pintura clássica, como: austeridade, dignidade e elevado caráter moral nas cenas representadas. Esse conjunto de características representavam exatamente os sentimentos vigentes nos anos que antecederam a Revolução Francesa. Esse novo estilo é denominado Neoclássico e Jacques-Louis David é seu maior expoente.

O auge das convicções políticas e artísticas de David são representadas na Morte de Marat, utilizando da típica idealização do estilo clássico, o pintor suprimiu as cicatrizes da pele do político e o representou com menos idade do que tinha na ocasião da sua morte. Retirou também todo espectro de violência do fato, atenuando a cor do sangue, o próprio ferimento foi representado de forma tão sútil que é difícil acreditar que isso foi o que causou a morte do personagem.

Jacques-Louis David representou elementos cotidianos do político como a túnica banhada em vinagre que Marat enrolava na cabeça para aliviar a coceira e o lençol que era colocado na banheira para evitar o atrito das feridas com o cobre. Por outro lado, o pintor inseriu elementos fictícios para exaltar as qualidades do político, como o caixote, representando o estilo de vida espartano; uma carta com dinheiro para uma viúva de guerra, exaltando sua caridade, e a pena na mão para mostrar que Marat morreu trabalhando. Qualidades que dificilmente o político detinha, mas que a licença poética permitiu a David inserir na composição.

Jacques-Louis David apropria-se da luz teatral de Caravaggio para dar maior dramaticidade à cena. Para tanto, o pintor suprime toda a decoração do "escritório" do Marat, escurecendo o fundo, iluminando apenas o ídolo e o caixote, o que aumenta significativamente o caráter dramático.

O braço caído e a posição da cabeça lembram a Pietá de Miguelangelo. A faca no chão faz alusão, ao mesmo tempo, da lança romana que perfurou o peito de Jesus Cristo crucificado e da covardia da assassina, que teria deixado cair a arma do crime na sua fuga (o que não é verdade, pois relatos demonstram que a faca ficou cravada no peito de Marat e que Charlotte não fugiu como uma bandida, permanecendo no lugar do fato).

Em resumo, todos os elementos e as técnicas empregadas por David não só revelam o grande artista que ele era, mas também revelam o fato de que o artista fez tudo o que pode para representar Marat como um mártir.

Com o fim da revolução, o retorno da monarquia e a mudança nos valores da sociedade francesa, o quadro se tornou um constrangimento, inclusive a pintura foi devolvida a Jacques-Louis David, sendo que até 1846 não voltou a ser exposta na França. O próprio David, após a queda de Napoleão, foi exilado em Bruxelas. Felizmente, atualmente, o quadro eventualmente é exposto no Louvre e os franceses têm a oportunidade de apreciar essa controversa, mas magnífica obra de arte.


Elisa Silva - especialista em História da Arte e autora dos livros " Paris sonho meu" e " Paris - Uma viagem impressionIsta"



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