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'Sem futuro'; Jornaleiro mais antigo de SP se despede da profissão

"Oi, sumido!". Não demora para Salvador ser reconhecido naquela banca de revistas. Ele cumprimenta o cliente com um soquinho de mão e ri por trás da máscara. "Opa! Sumido nada, tô aqui". São 9h de uma terça-feira nublada e úmida de garoa tipicamente paulistana. Durante toda a manhã, a cena se repetiria muitas vezes, como se aquele senhor baixinho, com olhar expressivo e leve sotaque português fosse uma espécie de celebridade. Para quem mora e trabalha há anos na região central de São Paulo e passa todo dia pelo viaduto Nove de Julho, altura do número 185, Salvador Neves é, de fato, um personagem ilustre. Cris, morador de rua da região, é um dos que param em frente à banca ao avistar a cabeça calva com curtos fios grisalhos na lateral. "Não tem quem não o conheça por aqui.

Seu Salvador é o queridão de todo mundo." As reações afetuosas tinham uma razão especial para existirem naquele dia. O jornaleiro havia desaparecido da banca desde aquela semana de março de 2020, quando a pandemia fez a cidade que nunca dorme entrar em quarentena. O filho Otávio decidiu, no mesmo dia, que o dono e garoto-propaganda do principal negócio da família tinha que ficar numa casa no interior, isolado das pessoas.

Foi a primeira vez que a Banca Estadão, famosa entre os notívagos por ser 24 horas, não abriu suas portas. E a primeira vez, desde 1957, que o jornaleiro mais antigo de São Paulo (como ele se autointitula) passou mais de um mês sem trabalhar. 

Apesar da ocasião, Salvador está sem o jaleco azul com bolsos fundos para as moedas de troco, item essencial para sua jornada madrugada adentro. "E cadê o chapeuzinho?", pergunta outro cliente que o reconhece. Salvador ri alto e espaçado: "Tá descansando, estava cansado". A camisa social amarela guarda o RG e o cartão do banco, sinal do que realmente importa em seus 85 anos. "Eu só vim hoje pra provar que eu estou vivo no banco, senão minha aposentadoria não cai", diz. Parece desapegado do negócio de uma vida. "Saudade?", ele repete a pergunta do repórter. O filho Otávio, do lado de dentro do caixa, olha o pai, também à espera da resposta. Salvador responde, olhando de volta: "Agora é com ele. O que eu tinha que fazer eu já fiz".

O poste Salvador Neves chegou de navio em São Paulo em 1957, vindo de Portugal com o pai, a mãe e sete irmãos. Logo de cara, arranjou emprego no centro da cidade, como jornaleiro. "Fiz minha vida aqui ao redor", ele diz, olhando para os prédios em torno do viaduto, seu local de trabalho há quase 50 anos. "Plantei milho na avenida Consolação, deu cada espigão!", conta. A família vendeu um caminhão de batata e alguns quilos de feijão para vir ao Brasil em busca de prosperidade. Mas o país hoje, ele diz, lembra muito a situação em Portugal. "O povo estava passando fome. É o que está acontecendo aqui. Nós não temos presidente e os latifundiários estão comandando o país. Vão lá fora, compram arroz e feijão por 5 e vendem por 200 pro povo", explica.

Cinco anos depois, Salvador teve sua própria banca - que, na época, era de madeira e se resumia a dois cavaletes e uma tábua na porta de um bar. Ele mostra uma foto amarelada em que aparece encostado ao lado dos jornais, enquanto um cliente lia as notícias do dia. Tinha pinta de galã, com o bigodinho na régua, que mantém até hoje. "Eu ficava 14 horas de pé. Trazia no lombo mil exemplares. De manhã era uma fila que se fazia para comprar. Minha banca estava em primeiro lugar nas vendas", diz orgulhoso.


                                                                                                                     TV Gazeta/Salvador (a direita) em seu começo como jornaleiro

O lugar exato está a alguns metros dali. Salvador dá passos firmes na calçada esburacada e anda curvado em direção à praça Desembargador Mario Píres, onde se encontram a avenida Consolação e a rua Martins Fontes. Naquela manhã, funcionários da prefeitura quebravam o pavimento no cruzamento. Ao som das britadeiras, ele segue com o dedo em riste em direção ao poste de luz antigo. O chamado "poste da Light", que iluminou São Paulo de uma forma ampla em 1927, é o único elemento da foto que ainda está ali: cheio de adesivo e alguns chicletes ressecados. "Não tinha nenhum desses prédios, era tudo casinha", diz. Uma mulher de cabelos grisalhos passa e o reconhece. Simpático, logo mostra a foto da época. "Foi exatamente aqui, foi quando eu comecei", aponta.(Fonte:https://tab.uol.com.br/)



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